20/09/2013
Ano 16 - Número 858
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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“Sei, já escrevi crônica e há pouco tempo sobre o tema. Repito o assunto
básico, já que de fato a sociedade não tem cuidado de suas crianças, quando o
casal se desavém.
Vinha em paz e de lauta comilança. Mensalmente encontro com meus amigos, que
ainda estão na ativa, para colocar as notícias do hospital em dia. São tardes
alegres, de boa amizade e companhia. Portanto vinha em paz. Na Rua Uruguai um
sinal para-me. Ouço um grito de "eu não mereço isto", que me chama a atenção.
Viro a cabeça e a esquerda há uma entrada para a escada de um apartamento. Uma
valise no chão, um homem tentado sair, a mulher gritando, uma criança
chorando. Homem e mulher de seus trinta anos, menino de seus nove anos. A
mulher puxa a valise e havia uma saca também, o homem puxa a valise, a criança
chora, acocorada, olhando os dois, desesperada. O sinal abre, instantaneamente
buzinam atrás e arranco, deixando mais um grito da mulher, "eu não mereço
isto" para trás. Se aqueles três minutos, se tanto, podem ser interpretados,
pai e mãe brigam; o pai quer sair, a mãe não deixa e grita, a criança chora.
Não sei porque brigaram, não sei quem tem razão, todos devem merecer pena.
Comove-me particularmente a criança, que não deve ter culpa de nada e vive em
um clima emocional péssimo, seja qual for o pano de fundo daquelas vidas.
Alguns dirão que há fatos muito piores, há violências muito maiores e
concordarei, só que o que olhos não sabem, o coração sente menos, modificando
um pouco o dito popular. Serviria de orientação para aqueles adultos, em
função de suas desavenças, que deveriam ocorrer longe dos olhos da criança. O
ambiente parecia ser pobre, os personagens, tristes personagens, estavam mal
vestidos, a entrada era apertada. Nem só em ambientes pobres há baixarias na
frente das crianças. A raiva, o ódio, cega pessoas e lá vão os sentimentos das
crianças, a fase de amadurecimento e aprendizado emocional das crianças,
levada no roldão da violência das agressões verbais e muitas vezes físicas. E
ficam crianças de alguma forma marcadas pelo que viram e sofreram, pois
crianças não sabem dividir lealdade e ficam encurraladas entre o amor da mãe e
o do pai, seus amores mais importantes. Tivesse eu mais poder de persuasão e
tendência a meter-me na vida dos outros, encostaria o carro e que as buzinas
se fizessem ouvir e diria aos dois, mesmo sem saber as causas da briga, nem os
pregressos do casal, que pouco importavam até naquele momento. Parem, o filho
de vocês está sendo coagido, marcado. Talvez os dois juntassem-se contra mim,
talvez o homem me desse um tiro nestes tempos de terrível violência, ou
ouvisse-me, que sei eu? Não, prudentemente continuei meu caminho, com a
digestão atrapalhada e vim fazer minha catarse, escrevendo. Se algum casal em
litígio ler a crônica, lembrar-se dela durante uma briga e der um jeito do
filho não assistir, participar, talvez minha omissão arrancando com o Fiesta
seja em parte perdoada. Para tentar apaziguar a consciência, também se
escreve.
(20 de setembro/2013)
CooJornal nº 858
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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