13/09/2013
Ano 16 - Número 857
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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O enterro foi comum. Que vida é comum? Nenhuma. Que enterro é comum? Há os com
muitas lágrimas, ou poucas, ou sem lágrimas. Ele não poderia reclamar. Havia
tristeza, havia saudade e já é muito. Muitos enterrados em panteões não têm
tanto. E a mulher, que fora uma boa mulher para ele, ainda que nem sempre o
entendesse ou achasse graça da sua literatura de contista de concursos
literários, contista menor, só que dedicado, disse a frase do enterro: - E ele
não viu Paris! E aí o ele não era demonstrativo de menor apreço, como podia
parecer. Era para não ficar repetindo o nome que doía. Sabe-se lá o que é
viver relativamente bem e sem traições por trinta e sete anos, fora os seis de
namoro noivado? E ele não viu Paris! Parece uma frase simples e para ele não
foi. Não, não foi uma questão de dinheiro. Se não sobrava muito, deu para
comprar o trivial de luxo em tempo de inflação, casa, casa de campo,
automóvel, seguro-saúde. Foi medo de avião, terrível medo de avião, invencível
medo de avião. Avião só perde em segurança para elevador, sabia. "Te damos um
porre e você chega lá." "Te dopamos e pronto." Eram frases que amigos diziam.
Em rapaz viajou para a Argentina, sozinho. Depois São Paulo, Belzonte e cada
vez mais medo e, quando Paris chegou ao seu amor, não voava mais. Leu muito
sobre Paris, acompanhou Maigret e não saberia dizer quantos outros
personagens, viu "slides" de viagens de amigos vezes sem conta. Parava
defronte de quadros de Paris e ficava. Ah, ver Renoir no Louvre! Não passaria
três dias em Paris e correria para Londres, Roma, ou outra cidade. Queria
ficar em Paris um, dois meses, se pudesse três. Andar nas beiradas do Sena.
Não simpatizava com a Torre Eiffel e sim com o Bois, Tulherias, Montparnasse...
Tomar um calvados em pé, olhando a rua. Almoçar em um bistrô, um aperitivo no
Café De La Paix, sentar na Concorde e sentir a vida de Paris, o clima
histórico de Paris, os vagabundos, as prostitutas, os bêbedos, as pequenas
costureiras, os vendedores de frutas, Pigale, a Bastilha, os arredores de
Paris, as bisnagas de Paris, o ar, a decantada e passada falta de delicadeza
dos parisienses com os intrusos, compreendida e de antemão aceitava. Quem vai
gostar de dividir isto tudo com barulhentos turistas, que levam cultura e
deixam só dólares? Sonhos, sonhos...
O infarto, a Unidade Coronariana, as dores e desconforto, tubos e a morte.
Luz, música, claridade, que nada! Eu não fui um homem ruim. Saiu da Unidade
Coronariana e se viu sentado na frente da Notre Dame.
Pena ela não estar aqui agora. Ela conhecia Paris. É ver tudo com calma e
amor. Anotar cada detalhe, para que longamente conversassem sobre Paris,
quando se encontrassem de novo, em setembro, em Paris, com certeza.
Esta antiga crônica veio à lembrança ao assistir
ao ótimo espetáculo, de bom gosto e boa música. “Nós sempre teremos Paris”,
texto inspirado de Artur Xexeo, direção de Jacqueline Laurence, dois ótimos
músicos, teclado e violão, desculpem-me se não gravei os nomes, o melhor da
música francesa (só senti falta de uma de Adamo, quem sabe “C´est ma vie”?)
Aloísio de Abreu e Françoise Forton, excelentes interpretes. E ao fim do
espetáculo, onde um coral de meninas de comunidades, principalmente da
Rocinha, fazem coro na última música, a atriz, que, repito, ótima, contava no
dia final do espetáculo e findava a temporada de um ano, que estavam sem
patrocinadores. Havia lágrimas contidas no rosto de Françoise Forton. É
preciso dizer mais? Valeu Xexeo! .
(13 de setembro/2013)
CooJornal nº 857
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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