06/09/2013
Ano 16 - Número 856
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Há várias maneiras de viajar. Quase sempre o termo é usado, se há avião, ou
navio. Ele, meu amigo, deixara de voar, depois de terrível voo Belzonte Rio. E
não tinha tempo para as demoradas estradas dos navios. Talvez tenha medo do
mar e de seus horizontes infindáveis, quem sabe? Também nunca fora de viagens
químicas com drogas. Era de viagens curtas, do Rio para cidades próximas, que
representavam sua Europa. Viajava antes em pensamentos, gozando por
antecipação as férias. Nestas pensava como a vida corre célere nos momentos de
felicidade e como é curta como um todo. No batente pensava também nos lugares
de passeios nas férias, lembrava-se principalmente quando o trabalho
quotidiano pesava-lhe. Quimericamente pegava a companheira, terna e eterna e
ia passear ao sol brando na Avenida Koeler, vendo os casarões antigos,
remoendo o passado, sacando sobre o futuro, até que o presente, monótono e
ingrato, acalmasse e o dia e seus atropelos apenas fruísse. Portanto nada de
Bois de Boulogne, Baker Street, ou arredores de Lyon. Lugares muito frios,
onde há esquis, nem pensar. Locais em moda, tipo Miami ou Cancun, ou praias e
ilhas em voga muito menos. Ainda que adorasse suas viagens, curtas viagens em
distância e pouco onerosas, havia um momento que julgava terrível, semelhante
ao como sentia o trinta e um de dezembro, o fim de férias. Parecia que o
futuro perguntava-lhe e agora? Volto aqui? Que me espera? E nas longas retas
da baixada, quando havia pouco para dirigir e parecia que o automóvel estava
em piloto automático, a pergunta angustiosamente voltava. E o amanhã? Antes já
houvera o ritual de fechar a casa, despedir-se dos bons dias, prender alguns
fantasmas nos armários, lembrar isto e aquilo, sobre os que já se foram e
também gozaram férias... Aquela casa estava há longo tempo na família. A da
Rua Monte Castelo 196, naquelas férias tinha sofrido melhorias, consertos,
recebido novos hóspedes, como acontece nas melhores famílias, pois há
casamentos, descasamentos, novos netos, novos e velhos amigos, tudo acontecido
em pouco mais de vinte dias. Se o trânsito e o pedágio deixam, era viagem de
hora e minutos até o Grajaú na casa matriz. E como estará a casa do dia a dia,
que nada tem de suntuosa? Como estaremos nas próximas férias, ou feriados?
Estes não são pensamentos lúgubres? São, ele sabe, só que “pau que nasce
torto..." Tinha nascido torto de sentimentos e pessimismos e ia com eles,
fechando a casa, várias vezes já assaltada e sem nada para levarem de valor.
Dando uma última olhada em tudo, suspirando escondido de todos, como se todos
não o conhecessem e não o aceitassem com suas peculiaridades, para usar
palavra branda. Enfim levava a vida mais a sério do que ela merecia. A família
já estava no automóvel, sempre mais cheio do que desejava, esperando. Reviu
janelas, deu uma última e rumorosa descarga e o barulho escondeu as músicas
das férias, que tinham acabado e que foram boas. Era esperar pelas próximas,
rezando para que se repetissem pelos séculos e séculos. Amem.
(06 de setembro/2013)
CooJornal nº 856
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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