30/08/2013
Ano 16 - Número 855
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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A crônica 'Um livro e histórias correlatas' recebeu o Prêmio Moacyr Scliar
no Concurso da União Brasileira de Escritores, na solenidade em, 21/08/2013,
comemorativa dos 55 anos da UBE – RJ.
Quando não se pode comprovar uma história e parece interessante contá-la, que
se embaralhe fatos e nomes e viva a história. Esta se baseia no que o mercado
quer e que nem sempre tem valor literário. O assunto é surrado e a consulta a
qualquer lista dos livros mais vendidos, e em qualquer época, sustenta o que
se afirma. Se venda fosse prova de valor, muitos e muitos livros seriam
reprovados, ainda que a posteridade veio dar-lhes notoriedade. Muitas vezes o
autor morreu decepcionado e pobre. Haja vista que Van Gogh vendeu em vida
apenas um único quadro e a preço de banana. O que relato aconteceu com um
amigo e escritor, a quem muito vejo e aprecio. Houve no século passado um
concurso de livros policiais, patrocinado por importante Editora. O referido
escritor concorreu. Perdeu. Comprou o livro vencedor e julgou-o com muito sexo
e sangue e com duvidosa exposição. Diz ele que nem mais se lembra do título e
do nome do autor. Desculpas de perdedor? Vejamos o resto dos acontecimentos,
pois os há. Vida que se segue à leitura do livro vencedor e eis que recebe um
telefonema: - Aqui está falando e disse um nome importante e conhecido.
Diga-se que se destaca também pelo trato difícil. Assim dizem pelo menos os
que o conhecem de perto. Afirmou no telefone que foi quem julgou o tal
concurso e perguntou se meu amigo havia lido o livro vencedor e se gostara.
Diga-se que meu amigo procura sempre ser gentil e sabe que não é o rei da
cocada preta. - Mais ou menos, muito sexo e violência. E o tal personagem
responde então que a Editora avisara que queria um livro vendável e para tanto
deveria ter sexo e violência no enredo policial. Que isto meu amigo não
apresentara no seu livro, escrito mais na linha de Conan Doyle. Meu amigo
intervém e diz que ser posto na linha de Conan Doyle soava-lhe como grande
elogio. O interlocutor avisa que o contato tem uma finalidade. Que o autor não
se abatesse por aquela derrota. Entre os que concorreram, foi para ele o único
telefonema de estímulo que fez, pois gostara do que lera, ainda que tivesse
premiado outro livro. Que continuasse a escrever e se escrevesse um livro
policial com sexo e sangue, poderia até aconselhar à Editora a publicá-lo. Meu
amigo disse que não saberia fazer um livro com as citadas características,
trocaram os cumprimentos de praxe e a ligação teve fim. Animado pelo inusitado
incentivo, começou a procurar editora, ainda que tivesse que bancar a
publicação. Era neófito no meio e não estava com reais sobrando nos bolsos.
Feito o livro, outro amigo deu-se ao trabalho de anotar os erros tipográficos
das páginas com esferográfica vermelha. Pareceria que o livro estava com
rubéola e em todas as páginas. A revisão fora feita pelo filho da editora, um
menino muito esperto de treze anos, percebeu depois. E o meu amigo e sua
mulher, que cultiva e bem a última flor do Lácio, haviam se prontificado a
fazer a revisão, que fora entregue à editora em folhas datilografadas. Não se
pensava no texto em disquete e nem em computador. A Editora fez questão de
afirmar que a revisão cabia-lhe e distribuição do livro. E meses depois
devolve ao amigo cerca de setecentos exemplares, que foram ditos encalhados.
Um livreiro, semanas depois deste recebimento, cumprimenta meu amigo, ao
conhecê-lo por outro acaso. Relata que ao pedir nova remessa do livro policial
do meu amigo, a editora avisou que estava esgotado. E nem este livreiro pode
ter mais os livros, pois os cupins da casa do meu amigo apreciavam livros de
contos policiais. Sobraram apenas cinco exemplares, que ele guarda para os
netos. Continuou na luta literária e anos depois, usando os mesmos personagens
do primeiro livro, lança nova publicação, por Editora, que dá uma boa
apresentação e ótima revisão. Tanto que em 2003 este segundo livro policial
ganha concurso de livro de contos, como livro de contos do ano, em determinado
estado. No início de 2004 é apresentado por mais uma coincidência
(coincidência é a maneira de Deus tentar permanecer no anonimato Lawrence
Block – “Um Baile no Matadouro”), e em fugaz encontro conhece a filha do tal
julgador do concurso, que o estimulara com um inesperado telefonema, ainda que
não o tivesse premiado. Tinha a mão um dos livros resgatados dos cupins.
Manda-lhe o livro por intermédio da filha, desmancha-se na dedicatória em
agradecimentos e com os etcs necessários, inclusive endereço. Já se passaram
anos e nada de uma resposta. Meu amigo continua escrevendo, apesar de ter
outra profissão, contos e inclusive alguns policiais. Não aprendeu a apelar
para sexo e sangue, ainda que nada tenha contra quem o faz, desde que o faça
com um mínimo de arte e bom gosto. Será que os seus dois personagens policiais
ainda vão aparecer em um terceiro livro? Ele não está mais com vontade de
abrir a burra para soltar reais em livros, fazer noite de autógrafos,
incomodando amigos, parentes e conhecidos com convites e espremendo o cérebro
em busca da dedicatória original e espirituosa. Será que uma Editora, destas
grandes, descobre-o? Acho pouco provável. A editora do primeiro livro e o
julgador continuam no mundo literário, ele sempre em destaque. A vida segue e
plena de acasos. Oxalá meu amigo veja coroados e lidos, ainda enquanto vive,
seus interessantes personagens policiais, que não mostram violências
desnecessárias e deixam os atos sexuais ocorrerem entre quatro paredes.
(30 de agosto/2013)
CooJornal nº 855
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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