09/08/2013
Ano 16 - Número 852
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Era segunda-feira, não fazia sol, não chovia e andava ensimesmado, meio
segundaferino, depois de domingo de muita atividade. Era um tempo de ressacas
e temporais pela frente. Águas de março. Dirigia, para ir ao banco. Como se
vai ao banco! Até pode parecer que o dinheiro sobra. Parei em cruzamento, pois
a outra rua era a preferencial. Alerto alguns incautos motoristas, há ruas
preferenciais. Parei e o casal estava para atravessar e como outro automóvel
me cruzasse a frente, também eles atravessaram a rua, de mãos dadas e
risonhos. Não, não eram nada bonitos fisicamente, muito pelo contrário. Ela
era gordota, morena, ventas abertas, boca proeminente, salvavam-se os cabelos.
Ele era magro, deselegante, alourado, espinhento. E as blusas também não
primavam pelo gosto. Eram jovens, principalmente ela e que jovens agora, se
vestidos, têm bom gosto nas roupas? Eram jovens e amavam-se. Meu Deus, eles
amavam-se! Estavam absolutamente entretidos um com o outro e entendiam-se nos
assuntos de mesa e cama, dava para perceber. Estava nas caras. Estava na cara.
Vinicius já disse algo parecido com, me desculpem as feias, mas beleza é
fundamental, ou essencial. Se não foi assim, foi algo parecido. Minha avó
contrapunha, dizendo quem ama o feio, bonito lhe parece. Aos olhos dela ele
era lindo, nos olhos dele ela era linda. Dirão que o cronista está a tirar
água de pedra. E não estou. Vocês já viram algum especial por do sol? Tentem
descrevê-lo, com o encantamento que sentiram. Tentem descrever um instante de
amor profundo, quando parece que o mundo para e só vocês dois estão no mundo.
Constatamos apenas a ocorrência e já é muito. Faziam um lindo casal e romperam
a rua e se foram, embevecidos um com o outro. Já devem ter amado pessoas mais
belas e não foram correspondidos, é bem possível e provável. Já foram
recusados em bailes, gozados na escola, há que se aceitar. Tudo passara e
tinham conseguido o privilégio, de amarem-se. O chinelo velho para o pé
machucado, se querem. Quantos belas e belos passam a vida amando, sem serem
amados, serem amados, sem amar. E amar reciprocamente é a única coisa
realmente excepcional. Cruzaram a rua, os dois de tênis e "blue-jeans" e
foram-se. O efeito foi tal, que a moça do banco notou-o em minha face e deu-me
os parabéns pelo bom astral. Saí do banco e as notícias não eram tão ruins,
como pensara e fui à florista. Escolhi um buquê de flores do campo, o que de
há muito não fazia, torcendo para que, quando chegasse à casa com aquelas
flores, recebesse um olhar parecido com o que o meu jovem espinhento recebera
e retribuíra. Tomara que um casal assim, de feios ou bonitos, cruze-lhe a
frente e você tenha olhos para vê-los, compreendê-los e também possa partilhar
daquele momento, raro, infelizmente muito raro. E pior, às vezes, o casal
passa e você nem o percebe.
(09 de agosto/2013)
CooJornal nº 852
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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