
29/03/2013
Ano 16 - Número 833
ARQUIVO
PEDRO FRANCO


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A vida é curta. Curtíssima,
quando se pode gostar dela, quando o crédito tranquilo é maior que o débito
mórbido. Ou o acervo de boas emoções empata, ou ganha, do arsenal de
infelicidades. E esta contabilidade é absolutamente pessoal e intransferível,
mesmo se quisermos passá-la ao psiquiatra, ou ao o pastor. Também não sei o
quanto em minutos a vida é curta, nem ninguém sabe; esta é a tragédia e a
alegria da vivência, ao bel prazer de quem vai usufruí-la. Nossa tendência,
muito explicável, é fazê-la tragédia: o incompreensível, o inesperado, a
morte. E a vida é cheia de dificuldades, infelicidades, decepções,
ingratidões, violências, mortes, doenças etc,, como todos bem sabem. Ainda bem
que há ocasiões muito felizes, às vezes até simples momentos (média, pão
quente e manteiga, em boa companhia), ou importantes momentos de ternura,
gratidão, amizade, paixão, sexo, religiosidade, civismo (raros para nós
brasileiros), esporte, de boa gula, arte, enfim o cardápio é também variado e
pessoal. Há quem faça os outros sofrerem e com eles sofrem. Existem
compradores que julgam que tudo se compra e estão sempre no mercado,
negociando até em religião. Uns poderiam ser felizes, são bem aventurados em
benesses e não se sentem felizes porque não sabem o que é infelicidade, ou não
a concebem com a sua real fisionomia, isto é, não sabem olhar para o lado e
ver o quanto de tristeza há e que seus próprios arranhões são leves,
levíssimos, comparados a outros. Pobres dos que têm transtornos dentro das
mentes, coitados! E há os que vencem, venceram no passado e vencedores, sem
vencidos, deixam que os vultos tristes passados, sem conotação ofensiva,
imiscuam-se no presente, assombrem os dias cálidos pelos quais passam. Lógico
que vivenciamos muitas vezes o passado, para tal temos memória. Consideremos
que se aquelas pobres lembranças não tumultuaram a vida anterior, que foi
vivida com garra, escudo, consolidada com esmero e denodo, com amor e ternura,
porque deixar, permitir, que anos e anos depois, voltem a assombrar? E não há
remorsos para com estes fantasmas, talvez aparições sem culpas próprias,
feitas, como eram, pelas próprias vidas levadas. Por que deixar que inquietem
os sonos e sonhos e se façam presentes nas vigílias? Rezar sim por elas,
aparições familiares e indissolúveis de nós, que devem ser deixadas com rezas
e esforçada saudade, as amargas não e a margem de nossos dias de alento e
encanto, quando estamos em calmaria. Sabemos que borrascas vão vir e
inevitáveis, sem relações com os que já se foram, sem nossa culpa e até com
muito de nossa bondade. Não é fácil seguir, sem pensar no passado, nas
tempestades da infância, nas dificuldades enfrentadas, com mais galhardia até,
do que era lícito esperar. Se assim foi no antigamente, porque deixá-lo
governar o presente e mesmo o futuro? E o futuro pode ser longo, ou curto,
quem sabe? Toque a vida. Como se toca a vida, sem se virar muito para trás?
Não sei, amiga! Quem sabe? E lamento dizer por convicção, possivelmente
errada, que não posso lhe aconselhar receitas milagrosas. Talvez ninguém
possa. Mais uma vez vista sua melhor armadura e ataque seus moinhos de vento.
Sou um pobre Sancho Pança às ordens e com a “tolaria” que me é peculiar, pois
também nunca soube vencer bem os meus dragões, que ficam mais ou menos
adormecidos e, se assim permanecem, foi por ter sua permanente ajuda e seu
amor.
(29 de março/2013)
CooJornal nº 833
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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