08/02/2013
Ano 16 - Número 826
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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“Vai-se a primeira pomba
despertada.../ Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas/ De pombas
vão-se dos pombais, apenas/ Raia sanguínea e fresca a madrugada...” Do soneto
“As pombas”, de Raimundo Correia. E como crianças recitaram o poeta e suas
pombas, terminando com o terceto “No azul da adolescência as asas soltam,/
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,/ E eles aos corações não voltam
mais”. Mudou a poesia, mudaram os poetas, às vezes para pior. Ou melhor? E por
que hoje fui ao pombal e pensei na alegoria das pombas? Na Praça Saenz Peña um
homem dava milho às pombas. Diga-se que as pombas já foram mais bonitas e
brancas, ainda que concorde inteiramente com a letra do bolero “Angelitos
Negros” Música de Manuel Alvarez sobre belo poema antirracista de Andrés Eloy
Blanco “Pintame angelitos negros”. O bolero diz: “Aunque la virgen sea blanca/
Píntame angelitos negros/ Que también se van al cielo/ Todos los negritos
buenos....” Voltemos à praça, ao homem e ao milho. E uma senhora começou a
reclamar do homem que dava milho aos pombos. Acalorada discussão. Ele pensava
estar fazendo caridade, ela defendia a saúde de outros viventes, face às
inúmeras doenças que pombos transmitem. A senhora com fala culta, ainda que
exaltada e o homem, zangado, sentindo-se ofendido e injustiçado, expressava-se
mal. Então veio a ofensa: - O Senhor é um ignorante! Explique-se que a
entonação era de ofensa. Chamar Pelé de Negão é elogio. De fato certa
adjetivações dependem da intenção! E a mulher se foi. Logicamente que quem
ofende perde razão, ainda que ignorância em excesso pode fazer alguém perder
as estribeiras. Tirando o desabafo final, que pode até ser encarado como
acontecimento para todos, logicamente estou do lado da senhora, julgando um
absurdo que se dê comida aos pombos em qualquer lugar. Lembrei-me ainda que em
certa época no hospital, em que trabalhava, havia uma quantidade de pombos,
que, além da possibilidade de contaminação dos enfermos, sujavam todo o
hospital (e nem quero reclamar do ditado antigo e preconceituoso que afirmava
que primos e pombos sujam as casas). Hospital emporcalhado, importante
pneumologista resolveu acabar com os pombos, adicionando veneno ao milho. E
logo soube que vizinhos estavam matando e comendo os pombos. Apavorou-se e a
frase que diz que de boas intenções o inferno está cheio, cabe aqui. A ideia
era não deixar que pombos contaminassem os pacientes do hospital, mas o
resultado poderia ter sido funesto (pelo que apuramos e só em um dia foi posto
veneno no milho, nada aconteceu relacionado aos pombos, que nas panelas
desapareceram). Então a Senhora estava com total razão no atacado, ainda que
agressiva no varejo. Sendo os pássaros tão complicados em suas transmissões de
enfermidades, será que devem perder a simbologia da paz? E de paz o mundo
precisa muito, mais que tudo e cada um de nós também, que somos, devemos
aceitar, ignorantes de algo, alguns até em brasilidade. E como preconizava o
sempre em voga Barão de Itararé, ”Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de
carreira”. O autor, entre outras denominações, dizia-se “campeão olímpico da
Paz”. E se iniciei com Raimundo Correia, termino com pombas e Chico Buarque
em. “A aurora de Nova York” – “A aurora de Nova Iorque tem/ Quatro colunas de
lodo/ E um furacão de pombas/ Que explode as águas podres”. Enfim até as
pombas mudaram!
(08 de fevereiro/2013)
CooJornal nº 826
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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