25/01/2013
Ano 16 - Número 824
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Vamos à história antiga e
por esta antiguidade vai com algumas lacunas. Andava pelos meus onze anos e
tivemos que mudar definitivamente da Rua Canavieiras. Não gostei da troca e
prometi comprar a casa quando adulto, fato que não ocorreu pelas determinações
dos fados. A nova casa na Rua Professor Valadares precisava de obras e fomos
morar uns tempos na Pensão Grajaú. De início a ideia de morar na pensão
pareceu-me espetacular, não a mudança e sim a transitória moradia. Pensão na
Rua Marechal Jofre e quase em frente à Escola Duque de Caxias, que frequentava
desde o primeiro ano primário e da qual era o porta-bandeira. Que garoto não
quer morar perto da escola? Tereza, que parecia estar sempre com sono, morava
ao lado da Escola e comentávamos a sorte dela. A escola municipal ainda está
lá e hoje na caminhada matinal passei por ela e lembrei-me de Dona Iracema
Campos, que acompanhou minha turma todo o primário, só faltou um dia em cinco
anos e mandou professora substituta. Sem comentários, além de emocionada
gratidão. No fim do período das obras a estadia na pensão complicou-se.
Fazíamos as refeições lá e lembro-me que o dono era de origem alemã e sua
filha se chamava Erna. A comida era apenas regular e sempre havia linguiça. Só
que para contrabalançar o menu, meus pais compravam muita coisa e tínhamos no
quarto comilança complementar, da qual me fartava. Até aí tudo bem. Meu pai
sentia falta do quintal da Rua Canavieiras nos fins de semana e a solução era
ir para a Ilha de Paquetá com sol, ou chuva, onde conhecera mamãe e onde ambos
foram criados. Eu tinha bronquite e no domingo vinha chiando na última barca e
faltava muito às aulas nas segundas-feiras. Melhorava com cataplasmas de
linhaça e mostarda. Que coisa antiga! Vinha outro fim de semana e de novo
Paquetá. Até aí tudo aceitável. Havia outros hóspedes na pensão e em
particular um casal muito educado. Só que este senhor e o dono da pensão
altercaram-se. Briga feia e ambiente pesado, caras amarradas e nós três não
estávamos acostumados a ambientes assim. A obra arrastava-se e sair da pensão
seria complicado. Em que pensão, pousada, ou hotel, não haverá questiúnculas
entre pessoas que moram por longo período? E eis que o dono da pensão coloca
no quadro de avisos um antigo recorte de jornal, onde está o rosto do tal
senhor muito educado, que estivera preso por ser o autor do crime da mala. É
crime antigo e qualquer estudo sobre crimes notórios no Rio de Janeiro vai
anotar o crime da mala. O assassino matou a mulher, esquartejou-a e pôs as
partes em mala, que mandou para a Itália. No porto de Santos a mala abriu,
sentiu-se o fedor, o crime foi descoberto e o remetente da mala era autor.
Aquilo foi uma bomba na pensão e não entendi até hoje porque o tal senhor
educado não se mandou de mala e cuia, quando a nota foi afixada. Dono da
pensão e senhor educado procuram meu pai para dar explicações, que não sei
quais foram, já que ficara apavorado e fui afastado o quanto possível dos
problemas dos adultos. Não queria fazer as refeições, se o homem da mala
estivesse na sala refeitório. Vê-lo pegar a faca para cortar a linguiça ...
Logo em seguida a obra foi acelerada, saímos da pensão e só lembro que a Erna
era bonita e talvez tenha sido a causa do “imbróglio”. Hoje digito em frente à
casa, que foi remodelada e onde por muitos anos morei, até que me casei e de
um andar a casa passou a três, após nova e demorada obra. Já casado os quatro
fomos morar em casa alugada na Rua Araxá, de proprietária com várias casas e
era complicadíssima também. É outra história. E como acabou a briga dono da
pensão e o homem da mala? Não sei. Vale entrar no Google, que nem vai falar da
Pensão Grajaú, que acabou. Explica em pormenores o crime da mala, o primeiro
crime que me aterrorizou. Como aquele homem bem educado, bem vestido,
esquartejou a mulher e colocou-a em mala? Hoje são mais noticiadas balas
perdidas...
(25 de janeiro/2013)
CooJornal nº 824
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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