19/10/2012
Ano 16 - Número 809
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Andava por estradinha de chão de
pedras. Bateu leve brisa e ex abrupto chuva de pétalas saudou-me. E das gentis
flores que caiam, de cor rosa/roxo, pensei no raio em céu sereno. Assim os
antigos diziam dos acidentes vasculares encefálicos de origem hemorrágica.
Tudo bem e de repente os sinais e sintomas intempestivos da hemorragia
cerebral. Acidentes isquêmicos cerebrais, que se prezam, devem evoluir
progressivamente e não como raios em céu sereno. Esqueci-me de ficar pensando
na obrigatória caminhada, olhando ponteiros do relógio e lembrei-me de
comparações tão a gosto dos médicos semiológicos de outros tempos. Muitas
ideias médicas foram arrasadas por novos exames, sei e também reconheço que no
corre-corre dos consultórios lotados não há tempo para maiores digressões
semiológicas. Apesar da modernidade vieram-me à mente outras pérolas pontuais
de antanho (usando o termo pontual muito em moda, deve acontecer permissão
para empregar o antanho). Face bovina de pacientes com Doença de Parkinson.
Talvez os bois, se entendessem, não apreciassem a comparação, que se deveu ao
mestre Aloísio de Castro, que fazia Medicina na Santa Casa da Misericórdia do
Rio de janeiro em trajes de grande gala e ao mesmo tempo pertencia à Academia
Brasileira de Letras. Pedrada de Martorell. Andava, sentia dor intensa na
panturrilha. Quem me mandou esta pedra? Ninguém, acidente agudo vascular,
possivelmente trombose e ficou Síndrome da Pedrada de Martorell. Pá de
pedreiro, forma da onda T do eletrocardiograma, que caracteriza a impregnação
digitálica, quando aparece nas derivações esquerdas do exame. Quando ocorrem
de V1 a V3 significam intoxicação digitálica. Há autores que preferem falar em
colher de pedreiro. Lesão em asa de borboleta, lesão do lúpus eritematoso, que
pode aparecer na face. Vale dizer que o nome da doença, lupus, já vem da lesão
que o lobo pode apresentar. Dedo em gatilho, forma que o dedo toma em
determinadas doenças. Perna em sabre, pernas arqueadas na Doença de Paget.
Síndrome da concertina, que ocorre nos eletrocardiogramas face a determinadas
arritmias cardíacas, nas quais os complexos aumentam e diminuem feito o fole
das concertinas, que são instrumentos musicais da família dos acordeons. Hoje,
fui ao Google, concertinas são rolos de arames farpados, usados para proteger
propriedades! Enquanto andava foram brotando lembranças de comparações
semiológicas, não detalhadas por inoportunas aqui. Sinal do travesseiro.
Atitude em cão martelo de espingarda (que atitude complicada!), faces bovina,
faces lunar, pulso em martelo d´água, dedo hipocrático, unha em vidro de
relógio, dedo em vaqueta de tambor, mão de macaco, dança das artérias, tórax
em batel (tórax em forma de navio?), tórax quereniforme, tórax de pombo, tórax
piriforme. E completei meus quarenta minutos a passo estugado, deixando muitas
e muitas comparações médicas sem menção. E nem comecei a me reportar aos
atualmente pouco usados epônimos, quando algum autor deu seu nome a
determinado fato médico. Eram outros tempos, tecnicamente mais atrasados, sei.
E o agora emocionalmente para médicos e pacientes como está? Melhor, pior?
Depende dos interlocutores e da enfermidade, para não falar dos planos de
saúde.
(19 de outubro/2012)
CooJornal nº 809
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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