14/09/2012
Ano 16 - Número 804
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Começo dizendo que o Grajaú está
longe de ser o bairro que determinado autor de novelas insiste em pintar. Quem
sabe deixou amor mal correspondido no bairro. Acrescento que o Grajaú não é
melhor que outros. Aceite-se que é diferente. Temos de fato os nossos
velhinhos aposentados, militares ou não, que jogam cartas na Pracinha, como
acontece em qualquer lugar. Na Praça Edmundo Rego há cavalos que carregam
crianças e sujam a praça. Para ver uma criança sorrir e ter medo e prazer de
andar a cavalo, bem vale a sujeira. Para falar de dejetos não digitaria, pois
muitos bairros têm cavalos, pracinhas e crianças, velhinhos jogando cartas e
velhinhas fazendo exercícios (mulheres cuidam-se mais). Temos crianças e como
temos, dois clubes e joguei basquete pelos dois, sem festas "funk", pelo menos
ainda. Reserva florestal, nem tão grande quanto o nome pode deixar
transparecer. Até aí tudo bem, tudo igual a outros bairros desta mui nobre e
sofrida São Sebastião do Rio de Janeiro, agora emporcalhada pelos desvios
eleitorais.
A que se deve este convite então? Pois esta é uma crônica/convite. Para ver
nossa feira artesanal na Pracinha, ou a outra Praça, a Malvino Reis, que nem
parece uma praça, ou a Nobel? Não, não compensa a viagem, ainda que a feirinha
seja honesta. Para sentir calor ou frio. Nosso granítico Pico do Papagaio
dá-nos calor no verão e frio no inverno, ao contrário do que gostaríamos e não
estou aqui para empulhar ninguém. E o bairro neste 2011/2012 viu seus pontuais
(como escrever crônica sem usar o termo pontual. Chico Buarque usou e bem, mas
depois vieram os pontuais em explicações políticas e danou o termo) bares
serem exportados para outros locais, tal o acerto das criações e inovações. O
convite é para ouvir e ver. Ouvir é mais difícil. Aumentaram, oh se
aumentaram, os passarinhos do Grajaú nos últimos anos. Sanhaços fazem ninho
por baixo do ar refrigerado do quartinho que foi de mamãe. Na munguba, minha
munguba, na frente da minha ex casa, moram cebinhos e passam, não sei se
moram, sanhaços, rolinhas, bentevis e já vi bicos de lacre e sabiás
laranjeiras, que vez por outra me acordam.
Moro em frente agora, em prédio que vi construírem há mais de quarenta anos. _
Sente falta da casa, depois de morar nela por mais de cinquenta anos? _ Não,
chego à janela do apartamento e mato saudades. São mais de setenta e seis anos
de Grajaú. Volto às manhãs, lá na casa ou cá no oitavo andar. E que doce
acordar! Sabiá laranjeira é até para cantar mais às seis horas, nas
Aves-Marias. E cantam e cantam. Diminuíram os pardais, oh graças, aumentaram
os beija-flores e as flores.
E aí dou época ao convite-Grajaú. Princípios de outubro. Se eu fosse
romancista, começaria com: Os flamboyants ensanguentavam as calçadas do
Grajaú. Ainda bem que não sou romancista. Mas encantam-me os flamboyants
vermelhos. Na minha antiga, casa na Rua Canavieiras, casa que me prometi
comprar, quando crescesse e nunca fiz, havia um flamboyant de flores meio
sobre o amarelo, de muda que o pintor maior de Paquetá, Pedro Bruno, deu ao
meu pai. Gosto mesmo é dos vermelhos, que envermelhecem as calçadas nos fins
de ano. Diga-se tristemente que motosserra acabou com o tal flamboyant de
flores amarelas. Como preconizava Alvaro Moreyra, as amargas não! Junto aos
vermelhos há extremosas rosas e árvores de flores brancas e os verdes, muito
verdes, parecem competir nas calçadas floridas das calmas ruas. Podem escolher
um dia, que não dê praia, que chova pouco e passem pelas ruas do Grajaú.
Passem sem pressas e saltem do automóvel e olhem as flores das árvores. Até a
minha munguba, que escolhi por ter raízes retas e não quebrar a calçada, ao
contrário dos felizes flamboyants, arvora-se em modestas flores tricolores de
curta vida e rara aparição, para não ficar para trás. As velhas figueiras da
Professor Valadares, de onde escrevo, de velhas já não se dão flores, mas
estão de folhas novas, nascidas depois de perderam as velhas. Mas isto já
ficou para trás. Agora flamboyants, extremosas, bouganvilles e outras e outras
árvores, mostram flores no Grajaú e certamente em outros bairros. Aos meus
olhos e ouvidos especialmente no Grajaú saúdam o verão com cantos e cores de
enternecer. E enternecer, ainda que tenha som de verbo velho, sempre faz bem.
Ora se faz!
(14 de setembro/2012)
CooJornal nº 804
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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