17/08/2012
Ano 16 - Número 800
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Descrever nem sempre é fácil.
Emoção então é mais complicado. Tentemos. De quando em quando um verso de
música vem pela manhã e repete-se durante todo o dia. “Quem foste tu presença
e pranto/ Eu nunca fui amada tanto...” Sabia que a música era cantada por
Elizeth Cardoso e de autoria do seu filho Valdez. Motivado pela bela poesia
procuramos um CD da Elizeth que tivesse “Meiga Presença”. Na Praça Saenz Peña
não encontramos. E ainda havia lojas que vendiam CDs. Agora com a pirataria!
Maria Helena descobriu que a TVE, domingo, vinte e sete de setembro de 1992,
reprisaria o último “show” da Elizeth. Dez e dez da noite trocamos os “Gols do
Fantástico” por Elizeth e Rafael Rabello no violão. Grande troca! Só os dois,
o palco, a luz, a música popular brasileira. Elizeth cantando bem. Digna,
gestos sóbrios, bom gosto no vestir e no emitir a voz, ainda que com erres
fortes, que agora não estão em moda. Música final e nada do “Meiga Presença”.
Muitas e merecidas palmas, as cortinas do teatro fecham-se. Eis que se abrem.
E volta a “Divina”. Diz, com sua contenção natural, mais ou menos isto: “Não
quero ficar devendo. Pode ser a última vez que piso aqui. De repente eu vou
para o espaço e não quero ficar devendo a “Meiga Presença”. O violão, a voz, a
emoção. “Quem ao meu lado...” Foi cantando bem como sempre. “Eu nunca fui
amada tanto...” Emociona-se. O choro luta com a voz e sai interpretação
excepcional. A cantora chora, o violonista chora, parece-nos que o público
chora. Chegam ao fim. “Sempre, sempre, sempre.” Muitas palmas. Último “show”
de Elizeth Cardoso.
No dia seguinte, já com os olhos enxutos, saímos atrás de “Meiga Presença”.
Não achamos em CD, mas em LP. Jacob do Bandolim, Zimbo Trio e Conjunto Época
de Ouro. “Meiga Presença”, do filho médico Paulo Valdez e do seu ex
companheiro Otávio Moraes, que foi jogador de futebol do Botafogo.
Otavio era filho de Eneida de Moraes, escritora que futuramente enseja outra
crônica. E os autores de Meiga Presença terminarão esta crônica, apesar de
faltar o principal, a música e a voz de Elizeth Cardoso. Vale acrescentar que
há gravação espetacular desta música, onde Elizeth e o saxofone de Moacyr
Silva encaixam-se e fazem número espetacular, que valoriza sobremodo nossa
música popular. Diga-se que no meu tempo e é para falar mal do meu tempo, que
Moacyr Silva teve que gravar como Bob Fleming, para fazer o merecido sucesso
(na capa do LP foto da bela vedete Nélia Paula). Na mesma linha Nelson
Rodrigues virou Suzana Flag para ter romances vendidos. Tempos depois, aí para
fugir da famigerada censura, Chico Buarque virou Julinho da Adelaide. É cada
uma! Deixemos as amargas de lado e voltemos à poesia com a letra de “Meiga
Presença”:
“Quem ao meu lado/ Este espaço caminhou/ Este beijo em rosto/ Quem beijou/ A
mão que afaga a minha mão/ Este sorriso que não vejo/ De onde vem/ Quem foi
que me voltou/ Vem de outro tempo bem longe/ Que esqueci/ A ternura que nunca
mereci/ Quem foste tu presença e pranto/ Eu nunca fui amada tanto/ Estás aqui/
Momento antigo/ Estás comigo/ Se não te importas/ Ser lembrado/ Se não te
importas/ Ser amado/ Amor antigo/ Fica ao meu lado/ Sempre, sempre, sempre.”.
(17 de agosto/2012)
CooJornal nº 800
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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