27/07/2012
Ano 16 - Número 797
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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A velha Estrada União Indústria
foi criada durante o governo Washington Luiz, que pensava que governar o
Brasil era construir estradas. Naqueles idos os políticos tinham ideias que
ultrapassavam suas campanhas eleitorais. Neste início de século a União
Indústria está sendo dominada em tráfego pela BR 40, que dista, em Itaipava,
cinquenta metros. Paralelas em destinos. Não vou me deter nas estradas e até
deixar de destacar que a imprevidência de antigo governo pseudamente
progressista acabou com a ferrovia, que ladeava a União Indústria e prestava
ótimos serviços. Ferrovias foram desativadas e com retrocesso para várias
regiões, hoje se constata. Vou ficar na estrada, no número 11777. Em 1966
moravam na casa do referido número, estampado na parede da frente, sem jardim
e apenas uma estreita calçada separando-a da estrada, duas Libânias, de idades
díspares, juntas em afeto e sentimento eterno, como devem ser os elos fortes.
Assim são os grandes amores, eternos, pois duram e perduram, vencendo até
inevitáveis mortes. Avó e neta viveram no Armarinho, pois o 11777 era
armarinho, com moradia atrás e do lado. O quarto das duas tinha janela, que
dava para a estrada, lateral à porta de entrada do armarinho, que nem sei o
nome e abrigou-as por rápidos seis anos. Rápidos seis anos para elas, pois a
felicidade galopa no tempo. A avó libanesa, loura de olhos azuis, viúva e a
neta morena, com feições marcantes e olhos sonhadores. Viviam, já disse, na
casa/armarinho e no terreno lateral Libânia neta brincava. Dirão triste
moradia para uma criança, que vida! Estarão completamente errados. Naquele
armarinho, modesto armarinho de beira estrada, viviam e tudo era encanto para
as duas. Até as crises de laringite da menina, enfrentadas por panela de água
quente com eucalipto, com pano por cima da cabeça da pequena Libânia, é
lembrada sem os incômodos da época. E a tosca inalação fazia a menina respirar
e respirar para aliviar a falta de ar e vencê-la. Hoje correriam para um
hospital e esperariam. Na hora era desconfortável, mas hoje até isto é motivo
de saudades para a menina, que cresceu em todos os sentidos. Brincava também,
arrumando as mil coisas vendidas no armarinho, ajudando a encerar taco por
taco da casa, enfim eram corda e caçamba em alegre e permanente conluio.
Avô Libânia sabia transformar trabalhos em ensinamentos de vida, regras de bom
conviver em doces brincadeiras. Oh arte difícil, onde carinho e paciência
foram costurados entre linhas, fazendas, botões e fitas coloridas. A Avó
Libânia, libanesa, falando mal o português, era culta e cheia de teorias
educacionais? Nada, nada disto. Um velho fazia as contas do armarinho, que não
dava prejuízo. E as duas gostavam-se. Dizer isto é pouco. Amavam-se. E foi só
de seis anos o apoio da avó a neta? Não, já adulta, teve que tomar decisões
difíceis, em contraste com os preceitos da tradicional família mineira. E a
velha senhora foi o ponto de apoio da neta. Quando, seguindo tradições, aos
quinze anos, uma família conhecida quis costurar-lhe um casamento com um homem
de vinte e nove anos, que nem conhecia, sabia que em última instância teria a
avó ao seu lado. Nem foi preciso a avó intervir, pois a própria família era
evoluída. Depois dos seis anos as duas voltaram ao convívio da família em Juiz
de Fora. Quando a neta precisava, absolutamente precisava, tomar uma atitude
importante e agora era culta, sempre contava com a avó, que tinha a meta
primordial de sabê-la feliz. E a avó não tinha letras, já disse, mas volto ao
afeto e a visão ampla da vida e da necessidade de laborar por ser feliz. Ficou
sempre ao lado da moça, que fora só sua por seis felizes anos. Marcantes para
as duas.
E ao passar pela União Indústria a neta, hoje profissional competente,
casada, mãe, dona de casa, querida por todos com quem convive, olha com
intensa saudade a casa, que resiste ao tempo. É a mesma, trazendo imensa
saudade daquele tempo e especialmente da avó Libânia. A neta é reservada e
luta para que nos expressivos olhos não passem quentes lágrimas, quando olha a
casa de múltiplas vendas agora. Estrada União Indústria 11777. Talvez lhe
pareça ver a avó e a neta andando pelos mesmos compartimentos, carregando
sonhos e amor.
(27 de julho/2012)
CooJornal nº 797
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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