Fico muito feliz quando recebo livros de autoria de conterrâneos
(Espírito Santo/Cachoeiro de Itapemirim). Também alimentei e alimento
intercâmbio epistolar com alguns deles (*), que o tempo e a distância me
afastaram definitivamente (saudades) ou ainda permitem convívio literário.
Além do mais, uma deficiência auditiva me limita a comunicação oral, mas
tento superá-la através de contatos por e. mails.
Agora, me chega “Cartas
para ninguém”, da escritora Claudia Sabadini, também jornalista, sob o
gênero de “romance”, mas de forte conotação de prosa poética/filosófica,
através de personagens comuns de uma cidade interiorana, a maioria
aglutinada em uma cafeteria ou em grupo de leituras. Dentre eles, Juan,
Luisa, Dídimo, Bartira, João da Estação, Ana, Christine, Charles, Ivy,
Gregório, Bernardo, Zezinha, Giorgio...; além da proximidade de gatos de
estimação e cães labradores. Abel é o narrador dos textos que compõem o
livro.
Explico, quanto ao gênero literário: não segue o costumeiro
caminho das ações prolíferas e entrosadas do estilo. Não é novelesco, é mais
suave. Segue mais o caminho dos sentimentos materializados nos pensamentos e
comportamentos dos personagens que evocam e que confessam seus mistérios e
experiências existenciais, e, na parte final, com forte apoio da vocação
epistolar do principal personagem, Bernardo, professor de literatura, de
farta vivência e ampla cultura, e... em fase terminal de vida. Muita atenção
deve, pois, ser priorizada sobre os textos, aguçando nossa sensibilidade
literária.+
Frases que destaquei: “Sei o ponto exato de cada paladar
(29); ...porque às vezes, as melhores ideias vêm das distrações do dia, do
não fazer, do não procurar, não ser (31); Eu mesma o vi de longe, mudo, de
cócoras, entrelaçando os joelhos, tentando se proteger das despedidas...
(36/37); Benditos os que carregam seus corpos sem os sentirem; os que vivem
como se não estivessem vivendo; os que não se desgastam com o tempo e,
simplesmente existem (40); Rastros e avisos não dizem muita coisa às pessoas
desatentas(44); Leitura é fascínio quando somos iniciados na infância, ou,
mais tarde, já adultos. Os livros sempre me salvaram da convivência tediosa
em casa, da falta de conversa, dos delírios maternos e dos profundos
silêncios de um pai, debruçado sobre a mesa, sempre a espera do café e da
sopa quente (46); A mente forçava o corpo a estar em movimento, de pé, a não
ter medo. Por que o medo, se daqui para frente é a morte?(49); Até para
desistir é preciso coragem (50); Na maioria das vezes, eu quis, sim, a
morte. Não a minha morte, mas o fim de tudo aquilo que me fizeram acreditar
ser destino (50); Por um momento, a janela foi esquecida aberta. O olhar
baixou instantâneo, enferrujado e desassossegado, como alguém descoberto em
sua nudez. (56); ...Ivy sempre me escapava, sem deixar qualquer palavra,
porque lhe parecia proibido ter memórias inúteis (56); Palavra é travessia,
é morada da necessidade (57); Estamos escrevendo ou a palavra se escreve por
nós? (58); ...daquele que se esforçava em rebuscar a palavra para não
parecer estúpido (59); ...porque você, Dídimo, é um homem repartido, que
precisa conhecer seu sinônimo, sua palavra idêntica. (59); ...que fim terá
essa palavra pretérita que vive tropeçando em mim, na minha vida simples e
descomprometida (60); ...Nunca escrevi para salvar ninguém, além de mim
(60); é preciso uma coragem danada para conviver com a fatalidade (61);
...Seu Bernardo teve dias muito ruins, parecia que velava o seu próprio
corpo (62); Uma moça com jeito de lenda, definiu ele, depois que descobriu
que ela era de uma família que conversava com os mortos. (63); A palavra
escrita ou falada é ferramenta principal no processo de cura e Freud
entendeu a importância de escutá-la (64); As feridas e costuras de outras
vidas vividas (67); Devemos todos os dias morrer de amor; morrer vivendo.
(67); Escrevo porque só sei ser igual a mim, porque escrever é meu ponto de
chegada, meu porto seguro. (67); Só quem já morreu várias vezes é capaz de
entender quando é impossível permanecer. (68); Aceito, ainda que não queira
recebê-la, a dor da falta de um pedaço que, há muito, não está comigo. (69);
Infelizmente a sabedoria nos chega quando não serve para nada, nem mesmo
para ludibriar o anjo da morte (71); me pede uma urgência que não sei viver,
que sempre me deu a falsa preguiça de não me entregar às coisas mais simples
e serenas (73); Não tenho mais o tempo que acreditei que teria para me
esbarrar na rua com quem ou o quê desnudasse minha alma sedenta de
permanências (73); Suponho que pouca coisa restou daquele tempo de mesa
cheia e solidões compartilhadas (75); A vida não faz perguntas (77); Certas
sentenças não podem ser ditas a qualquer hora do dia, mas, qual seria mesmo
o melhor momento para se dizer o impronunciável, o proibido, o sacramentado?
Em que tom se diz a verdade ? (77/78); Num dia comum, o inesperado acontece
e nos propõe recomeços. (78); ...ri da vantgem de não existir, não viver
intensamente, tampouco executar nada.(79); Todo jardim começa por dentro
(79); Não há poesia na morte. Há um canto triste de cigarras, no final da
tarde, entre flores e plantas do jardim. Elas cantam e voam. Talvez anunciem
alguma coisa, ou, quem sabe, estão apenas realizando a beleza da eternidade
(80); Fiz da morte conselheira para não ter que fazer dela adversária diária
(83); A vida inteira fiz companhia para mim e não dou espaço para invasões
fora de hora (83); É um grande risco perder a curiosidade pela vida. Isso é
a própria morte (91); Vivo agora o inverso: o deixar de sentir, o
desencantar. (91); Tenho saudade da sala de aula, porque nela sou um
completo desconhecido. (93); Vagando pelo tempo, confirmando que há
respostas não respondidas (96); Ninguém sai ileso de um livro (101); Mas a
vida – interrompo – é do fingidor (103); ...se estou morrendo ou me
eternizando em palavras. Não há ensaio. Quando a morte chegar, quero estar
vivo. (112); Escrevo para mim, para viver o tempo que escorre por entre meus
dedos (115); Escrevo para quem quiser, um dia, me encontrar (116); Tive uma
vida boa e nunca quis ser velho (118) . Eu amei a minha vida, mas talvez
tenha perdido a paixão (118); ...porque, não se engane: sobrevida com dor
não é vida (118); Não ouvi minhas angústias e segui vivendo de felicidades
instantâneas (119); Não se perde ninguém sem se perder antes. Estou me
perdendo para encontrar minha palavra no mundo (123).
Gostei muito: é
preciso muito talento para nos oferecer todas essas flores literárias!
*************** (*)Solimar de Oliveira. Evandro Moreira, Athayr
Cagnin, Marília Mignone, Alma Selva, Manoel Gonçalves Maciel, Samuel Machado
Duarte, Solimar Soares da Silva, Fernando Gomes, José Marcelo Grillo e
outros.
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miltonxili@hotmail.com
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