01/07/2023
Ano 25
Número 1.424






ARQUIVO
MILTON XIMENES

 

Milton Ximenes Lima

 

“ACREDITO. ESCREVER SALVA”
Claudia Sabadini - CARTAS PARA NINGUÉM

Milton Ximenes Lima - Colunista, CooJornal

Fico muito feliz quando recebo livros de autoria de conterrâneos (Espírito Santo/Cachoeiro de Itapemirim). Também alimentei e alimento intercâmbio epistolar com alguns deles (*), que o tempo e a distância me afastaram definitivamente (saudades) ou ainda permitem convívio literário. Além do mais, uma deficiência auditiva me limita a comunicação oral, mas tento superá-la através de contatos por e. mails.

Agora, me chega “Cartas para ninguém”, da escritora Claudia Sabadini, também jornalista, sob o gênero de “romance”, mas de forte conotação de prosa poética/filosófica, através de personagens comuns de uma cidade interiorana, a maioria aglutinada em uma cafeteria ou em grupo de leituras. Dentre eles, Juan, Luisa, Dídimo, Bartira, João da Estação, Ana, Christine, Charles, Ivy, Gregório, Bernardo, Zezinha, Giorgio...; além da proximidade de gatos de estimação e cães labradores. Abel é o narrador dos textos que compõem o livro.

Explico, quanto ao gênero literário: não segue o costumeiro caminho das ações prolíferas e entrosadas do estilo. Não é novelesco, é mais suave. Segue mais o caminho dos sentimentos materializados nos pensamentos e comportamentos dos personagens que evocam e que confessam seus mistérios e experiências existenciais, e, na parte final, com forte apoio da vocação epistolar do principal personagem, Bernardo, professor de literatura, de farta vivência e ampla cultura, e... em fase terminal de vida. Muita atenção deve, pois, ser priorizada sobre os textos, aguçando nossa sensibilidade literária.+

Frases que destaquei: “Sei o ponto exato de cada paladar (29); ...porque às vezes, as melhores ideias vêm das distrações do dia, do não fazer, do não procurar, não ser (31); Eu mesma o vi de longe, mudo, de cócoras, entrelaçando os joelhos, tentando se proteger das despedidas... (36/37); Benditos os que carregam seus corpos sem os sentirem; os que vivem como se não estivessem vivendo; os que não se desgastam com o tempo e, simplesmente existem (40); Rastros e avisos não dizem muita coisa às pessoas desatentas(44); Leitura é fascínio quando somos iniciados na infância, ou, mais tarde, já adultos. Os livros sempre me salvaram da convivência tediosa em casa, da falta de conversa, dos delírios maternos e dos profundos silêncios de um pai, debruçado sobre a mesa, sempre a espera do café e da sopa quente (46); A mente forçava o corpo a estar em movimento, de pé, a não ter medo. Por que o medo, se daqui para frente é a morte?(49); Até para desistir é preciso coragem (50); Na maioria das vezes, eu quis, sim, a morte. Não a minha morte, mas o fim de tudo aquilo que me fizeram acreditar ser destino (50); Por um momento, a janela foi esquecida aberta. O olhar baixou instantâneo, enferrujado e desassossegado, como alguém descoberto em sua nudez. (56); ...Ivy sempre me escapava, sem deixar qualquer palavra, porque lhe parecia proibido ter memórias inúteis (56); Palavra é travessia, é morada da necessidade (57); Estamos escrevendo ou a palavra se escreve por nós? (58); ...daquele que se esforçava em rebuscar a palavra para não parecer estúpido (59); ...porque você, Dídimo, é um homem repartido, que precisa conhecer seu sinônimo, sua palavra idêntica. (59); ...que fim terá essa palavra pretérita que vive tropeçando em mim, na minha vida simples e descomprometida (60); ...Nunca escrevi para salvar ninguém, além de mim (60); é preciso uma coragem danada para conviver com a fatalidade (61); ...Seu Bernardo teve dias muito ruins, parecia que velava o seu próprio corpo (62); Uma moça com jeito de lenda, definiu ele, depois que descobriu que ela era de uma família que conversava com os mortos. (63); A palavra escrita ou falada é ferramenta principal no processo de cura e Freud entendeu a importância de escutá-la (64); As feridas e costuras de outras vidas vividas (67); Devemos todos os dias morrer de amor; morrer vivendo. (67); Escrevo porque só sei ser igual a mim, porque escrever é meu ponto de chegada, meu porto seguro. (67); Só quem já morreu várias vezes é capaz de entender quando é impossível permanecer. (68); Aceito, ainda que não queira recebê-la, a dor da falta de um pedaço que, há muito, não está comigo. (69); Infelizmente a sabedoria nos chega quando não serve para nada, nem mesmo para ludibriar o anjo da morte (71); me pede uma urgência que não sei viver, que sempre me deu a falsa preguiça de não me entregar às coisas mais simples e serenas (73); Não tenho mais o tempo que acreditei que teria para me esbarrar na rua com quem ou o quê desnudasse minha alma sedenta de permanências (73); Suponho que pouca coisa restou daquele tempo de mesa cheia e solidões compartilhadas (75); A vida não faz perguntas (77); Certas sentenças não podem ser ditas a qualquer hora do dia, mas, qual seria mesmo o melhor momento para se dizer o impronunciável, o proibido, o sacramentado? Em que tom se diz a verdade ? (77/78); Num dia comum, o inesperado acontece e nos propõe recomeços. (78); ...ri da vantgem de não existir, não viver intensamente, tampouco executar nada.(79); Todo jardim começa por dentro (79); Não há poesia na morte. Há um canto triste de cigarras, no final da tarde, entre flores e plantas do jardim. Elas cantam e voam. Talvez anunciem alguma coisa, ou, quem sabe, estão apenas realizando a beleza da eternidade (80); Fiz da morte conselheira para não ter que fazer dela adversária diária (83); A vida inteira fiz companhia para mim e não dou espaço para invasões fora de hora (83); É um grande risco perder a curiosidade pela vida. Isso é a própria morte (91); Vivo agora o inverso: o deixar de sentir, o desencantar. (91); Tenho saudade da sala de aula, porque nela sou um completo desconhecido. (93); Vagando pelo tempo, confirmando que há respostas não respondidas (96); Ninguém sai ileso de um livro (101); Mas a vida – interrompo – é do fingidor (103); ...se estou morrendo ou me eternizando em palavras. Não há ensaio. Quando a morte chegar, quero estar vivo. (112); Escrevo para mim, para viver o tempo que escorre por entre meus dedos (115); Escrevo para quem quiser, um dia, me encontrar (116); Tive uma vida boa e nunca quis ser velho (118) . Eu amei a minha vida, mas talvez tenha perdido a paixão (118); ...porque, não se engane: sobrevida com dor não é vida (118); Não ouvi minhas angústias e segui vivendo de felicidades instantâneas (119); Não se perde ninguém sem se perder antes. Estou me perdendo para encontrar minha palavra no mundo (123).

Gostei muito: é preciso muito talento para nos oferecer todas essas flores literárias!

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(*)Solimar de Oliveira. Evandro Moreira, Athayr Cagnin, Marília Mignone, Alma Selva, Manoel Gonçalves Maciel, Samuel Machado Duarte, Solimar Soares da Silva, Fernando Gomes, José Marcelo Grillo e outros.



Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email miltonxili@hotmail.com





Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

Email: miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes Lima


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