Desperto madrugada ainda, sem motivo
nenhum. Através da grande janela sou premiado com um dos mais coloridos
amanheceres deste janeiro de 2021. Fotográfico presente para a eternidade
dos meus olhares que um dia serão deles saudosos! Quatro e trinta horas, que
avançam, permanecem, se expandem e se recolhem por cima das verdes e altas
montanhas das terras cariocas.
Curvo-me sobre papéis que me
construirão os dias dos próximos projetos literários. Pouco depois, a
sensação de deslocamentos de ar por cima da minha cabeça, que logo acabam ao
me movimentar para averiguá-lo. Continuam, param, continuam. E decifro o
apelo daquela rolinha que abusa dos espaços da minha sala para lembrar-me
que um pouco de ração no pequeno prato perto da porta da cozinha vai alegrar
seu carente estômago matutino. A mulher facilitou isto um dia, pronto:
diariamente vêm fazer a cobrança, e, sempre bem acompanhadas, acho que são
cinquenta ou mais disputando o espaço de uma das minhas varandas.
Alpistando, alpistando, vão se saciando. Paralelamente, no ar, na outra
varanda, a da sala, beija-flores, sanhaços, bem-te-vis, sebinhos, sabiás se
alternam...
Desde a infância sempre me familiarizei com as belas
imagens dos pássaros/passarinhos, enquanto nas paredes das casas dos
vizinhos gaiolas eram enfileiradas para vaidosas exibições das suas cores e
cantos. Fui vivendo e apreciando a beleza dos seus voos. Garças foram as
primeiras a nos ensinar a doçura e a amplitude dos seus deslocamentos. Era o
que nos diziam, primeiramente, aquelas que invadiam e branqueavam as muitas
ilhas do rio Itapemirim em busca de alimentos, banhos e pernoites.
Bem mais tarde me admirei lendo os pensamentos libertários da gaivota Fernão
Capelo Gaivota: muitas lições para o nosso dia a dia, reunidas pelo escritor
Richard Bach. Título original: Jonathan Livingstone Seagull (1970).
Depois, o deslumbramento com a respectiva versão cinematográfica, em 1973,
com paisagens e passagens humanizadas inesquecíveis. Cativou-me
definitivamente. Uma obra-prima para as almas/gaivotas tão necessitadas da
busca de novos caminhos de vida após o desprezo/inveja do seu bando de
origem, por pretender, desafiadoramente, querer voar mais alto e mais rápido
do que elas! E tudo isto ao embalo, em certos momentos, da música “Be”,
de Neil Diamond!
As viagens me familiarizaram com outr(o)as: não
posso me esquecer das gaivotas do lago Nahuel Huapi, em Bariloche,
acompanhando a grande embarcação em que viajávamos e colhendo biscoitos
oferecidos em nossas mãos; outro(a)s, filhas do Pantanal de Mato Grosso,
como os muitos tuiuiús pousados nos galhos das frondosas árvores, como se
estivessem à frente de uma comissão de recepção. São reis no coração do
Parque (Corumbá). E então, em prosseguimento, lá estou, mais tarde,
sobrevoando e apreciando os Andes chilenos e descobrindo a imponência e a
amplitude do voo dos condores. Nos Andes Peruanos, entretanto, é que foi
endeusado e eternizado sob os acordes místicos da música instrumental de
origem e influência inca, “El Condor”, uma “zarzuela” (1913). Foi
considerada “patrimônio cultural do país”. Daniel Alomia Robles, músico, e
Julio de La Paz , pseudônimo Julio Bandoin, letrista. Muitos intérpretes
valorizaram-no mundialmente, entre eles, o músico-instrumentista Leo Rojas,
os cantores Plácido Domingo, Esther Ofarim, a dupla Simon&Garfunkel e até a
famosa Yma Sumac, em estilo muito próprio. Gostei muito da versão espanhola,
sempre a ouço com bastante sentimento, como se fosse um voo de despedida...
E, muito tempo depois, esbarro com a música que de tão suave imagino ser o
reflexo do próprio voo de pássaros: os orientais/místicos acordes do
japonês/americano Kitaro, apesar dos tambores e outros instrumentos típicos
mais sonoramente “agressivos”. A suave gesticulação do Maestro é uma
desesperada tentativa de acompanhamento de suaves danças nos ares...
No Teatro Metropolitan (RJ), graças à intermediação do empresário Miele,
alcanço-lhe o camarim e consigo, no bilhete/ingresso, o autógrafo do
artista. Antes do espetáculo, ele não poderia ser interrompido, pois
mergulha, com sua “equipe”, numa estratégica meditação, como imprescindível
preparo para o sucesso da sua envolvente exibição.
Agora, relembrando
os fatos, remexendo muitas gavetas, procuro o “precioso bilhete”, hoje um
troféu. Já estou na terceira do armário maior de casal e ele não aparece...
Acho que, com um pouco mais de paciência, terei que descobrir em que
“ninho” ele se acomodou... Concedam-me, amigos, então, tempo maior para essa
doméstica busca entre as árvores da minha desarrumação mental!
Porque
depois, achando-o, volto ao assunto.
Até lá, pois!
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miltonxili@hotmail.com
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