Amália
Rodrigues e Francisco José: cantem e recantem “Foi Deus”, a bela melodia de
Alberto Janes Fialho, porque quero começar essa crônica com suas primeiras
letras: “ Foi Deus que deu luz aos olhos”, adaptando-as para Foi Deus que ME
deu luz aos olhos... há muito tempo atrás. Lá, na então modesta Cachoeiro de
Itapemirim, ES, meus olhos se abriram e foram captando pessoas e paisagens
que povoaram meu caminho. E sobre Portugal eles, pela primeira vez, ao lado
dos de cinquenta companheiros de turma do curso primário do Grupo Escolar
Graça Guárdia, foram abeberar a mensagem da professora Iracema Monteiro de
Souza historiando a “A descoberta do Brasil” pelo português Pedro Álvares
Cabral em 22 de abril de 1500. E, continuando, a Independência pátria
através do Imperador D. Pedro I, filho de Queluz, e a vida do Imperador que
mais amou o Brasil, D. Pedro II, seu filho. Nesta mesma época fui coroinha
na Igreja Matriz (hoje, Senhor dos Passos), e me extasiei com a milagrosa
história da Senhora de Fátima e os três pequenos pastores. Aliás, o
Imperador concedeu o título de Barão de Itapemirim (ES) a Joaquim Marcelino
da Silva Lima, e este Lima perseguiu a minha família (lado paterno). Vim,
depois, a frequentar os cursos ginasial e científico do Colégio... PEDRO II,
Internato, no Rio de Janeiro, celeiro de excelentes mestres: mais me
clarearam sobre detalhes da vinda da família real portuguesa. Neste colégio,
segundo ano ginasial, aos 12 anos, embora gostando da matéria, Português, um
trauma meu e de mais 23 colegas: fazer análise sintática em cima dos textos
dos Lusíadas, principalmente em provas, o que nos levou a reforçar o
conhecimento linguístico, enquanto “elogiávamos” zombeteiramente o jovem
professor e sua família. “Nem às paredes confesso” as palavras que usamos!
(Licença, compositor Ferrer Trindade). Nesta fase, convivi, sob mesmo teto,
com o Raul, tio, de família de descendência lusa, os Castiços. Boa gente!
Foi ele, flamenguista, que me conduziu ao estádio Maracanã, onde torci pelo
time da camisa da cruz de malta, o Clube de Regatas Vasco da Gama, que
atravessava então fase áurea, base que fora da seleção (azarada) brasileira
de 1950. Ele era também sócio do Clube Ginástico Português. Ao lado da sua
casa, em Vila Isabel, onde eu era hóspede, veio residir uma família de
Campos de Goytacazes RJ, trazendo uma mocinha portuguesa. Bem que minha
tia-avó se esforçou, mas nosso namoro não engatou. Interessante: os cabelos
dela eram claros, quase loiros, característica um tanto diferente dos de
suas patrícias. Terminado meu curso de Direito, o primeiro escritório que me
acolheu era propriedade de descendente direto, o Dr. José da Silva Rocha,
ex-presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama. Já bem iniciada minha vida
profissional, também eu e minha mulher, depois mais gente da família,
passamos a frequentar o Real Clube Ginástico Português, bem próximo do outro
meu local de trabalho, a Caixa Econômica Federal. Nos almoços do seu
restaurante público, ficava, então, testemunhando a responsável atividade
dos seus empregados nos respectivos desempenhos, possível reflexo,
naturalmente, da seriedade da Diretoria. Participei das aulas de Educação
Física, das sessões semanais de cinema, dos bailes mensais dos
aniversariantes, onde cantores famosos se apresentavam. Ganhei, certa vez,
uma premiação literária. E tinha mais: em pleno centro tumultuado da cidade,
nos oferecia, no teto do edifício-sede, na Avenida Graça Aranha, magnífica
piscina! E, depois disto, aconteceu o que jamais pensaria: voltar aos
estudos camonianos, “dissecando” “Os Luzíadas” em reuniões semanais,
comandadas pelo professor de Letras Clássicas José de Paiva Carrão, e a
companhia dos “alunos”, permanentes e temporários: Marco Antonio, Jane
Freitas, José Francisco, Celene, Profa.Jane, Jeanine, Thais, Maysa, Luiz
Roberto, Ana Luiza, Denise, Beth. Maria do Carmo, Valéria, Pedro Henrique,
Tony Correia... Os estudos começaram em 2003 e se encerraram em 2017, e
nestes 14 anos nos revelaram a beleza literária da epopeia camoniana. Foram
apostilados, mas não se conseguiu editoração. E, cá entre nós, enterraram
meu antigo trauma do ginasial!
Contando essas passagens de vida,
apenas procuro dimensionar que tratados e leis podem, sim, estreitar
relações entre dois países, principalmente se têm laços históricos, mas o
crescente convívio com pessoas, atos e fatos dessas nações é que farão
frutificar simpatias mútuas, autênticas irmandades de sangue.
Só me
resta agora embarcar numa nova nau-capitânea e conhecer pessoalmente
“Lisboa, velha cidade, cheia de encanto e beleza, sempre a sorrir tão
formosa” (Raul Portela), onde, tenho certeza, como em todo Portugal, “se à
porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente” (Uma casa
portuguesa, de Artur Fonseca). Sem me esquecer da universitária Coimbra, da
qual nos é alertado que “um livro é uma mulher”, e “só passa quem
souber...”! (Raul Ferrão).
Descobri enfim, recentemente, que minha
admiração por Portugal pode estar também no sangue, eis que os sobrenomes
Ximenes e Lima foram assumidos por alguns cristãos novos de Portugal, muitos
dos quais emigrados para o Brasil.
E paro por aqui, porque o
original deste tem que ser entregue o mais breve possível ao Professor
Antonio de Oliveira Pereira, lá no Núcleo de Literatura e Artes Plásticas da
Casa das Beiras do Rio de Janeiro, para publicação em antologia anual, e
festejando a amizade luso-brasileira.
Em tempo: ela foi distribuída
nos últimos dias de maio...
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miltonxili@hotmail.com
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