Milton, amigo e ex-
vizinho:
Já que estão proibindo o “presencial”, resta acomodar-me num
canto, meio escondido, para não ser penalizado com uma “coroa” ação...
Não quero transformá-lo, meu caro, no meu “muro das lamentações”, apenas lhe
dizer que estou... sobrevivendo, apesar dos novos ares, ou melhor, apesar
dos pesares!
Antes mesmo da “assassina” me surpreender, chegou-me um
prévio castigo: deixaram de funcionar o meu olfato e o meu paladar! Que
tristeza, amigo, usufruir de uma feijoada ou um bacalhau que tanto
aprecio... sem gosto nenhum! O paladar “doce” é que permaneceu, mas o
salgado se limitou a uma faixa central da língua.
O oncologista examinou
toda a boca e a língua, e apesar da ardência que sentia em determinados
pontos, isto não se referia a qualquer ferimento, parecendo-me ser algum
atrito com os dentes de uma primeira prótese, mas tive que me submeter às
biópsias das parótidas e carótidas, lado direito do rosto. Ato meio
dolorido, mas nada de grave foi detectado. Graças!
E a boca... seca, sem
saliva, meu caro!
Curioso, fui ao Google: o que seria isto? A síndrome de
SJorgren? Huumm... Doença auto-imune, com securas nos olhos e na boca?
Foi-me receitada saliva artificial... Isto não tem cura – dizem-me... Alguns
medicamentos a mais me foram indicados...
Visita do cardiologista e
clínico geral em 10.08.2020, aqui em casa: após exames gerais e eletro,
sugeriu exame de sangue “total”. Veio, entre os resultados, a notícia boa:
deu negativo para o “covid!” Brinco mentalmente: “Que bom, não é meu
“co-nvid”ado! “ Tenho ainda fisioterapia, às segundas, quartas e
sextas-feiras; psicólogo, junto com a mulher, nas tardes das sextas: são
convívios salutares, terapêuticos para músculos e mentes! Em meio a isso,
desequilíbrios inesperados, tonteiras, uma só queda, sem consequências, na
escada da entrada do prédio. Uma vez só, mas que levou a mulher e o
terapeuta a vigiarem meus passos na rua. Além disto, ficaram me “ameaçando”
com as possibilidades de agressões por parte de menores desocupados e amigos
do alheio, e similares, porque hoje estou caminhando mais lentamente, fácil,
fácil de ser deslocado, empurrado! Devolvo esses temores com um caminhar
mais firme e sendo, mesmo assim, criticado, tenho vontade de libertar minha
coletânea de palavrões... à baixa e média voz!
E entre estes
acontecimentos vou “escrevinhando” um pouco, e me distraindo, também, com
colóquios em e.mails. A família tem pouco se reunido, mas me parece que está
programando algo natalino. Aguardo... as aglomerações humanas estão sendo
desestimuladas, e até mesmo proibidas!
Enfim, estamos todos, amigo,
“sentados à beira do caminho”, pensando se, neste ritmo de vida... ainda
realmente “existimos”, e que precisamos, com urgência, “acabar logo com
isto”... como há muito nos avisam os famosos compositores e cantores Roberto
e
Erasmo Carlos, muito perspicazes com as emoções de cada um de nós...
Quosque tandem?
Presumimos, mas não sabemos: o mal, invisível, continua
brincando mortalmente com nossos destinos! Cada esquina do viver é um
mistério a sobreviver...
Abração e saúde, extensivos para a sua Ângela!
Recomende-me, enfim, ao Deus de todos nós!
Assinado:
Genuino. Em
tempo, amigo: como está o Quequé?
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A esclarecer: instado por problemas familiares, Genuino teve, depois de
alugar o seu apartamento, que retornar a Maceió, terra natal. Era pessoa de
papo excelente, cultura vasta, sem alardes E, em certos momentos, rabiscava
suas ideias literárias e suas cartas. Deixou-me uma lembrança simpática e
“suavemente” barulhenta, que, no momento, está acomodado na grande gaiola
rotativa, lá na sala: o seu então papagaio, o Quequé, de quem eu já era
grande admirador, principalmente quando deixado lá em casa pelo seu “dono”,
ao se ausentar, ou mesmo viajar...
Quequé, a colorida ave! Inquieta,
provocadora... roedora de tudo que está ao alcance do seu forte bico, mas
que ainda não agregara ao seu vocabulário sonoros e arrepiantes palavrões,
como retratam algumas piadas. Brinco, sorrindo para ninguém, apenas energizo
meus pensamentos: - Tô esperando isto não, louro, porque você está em uma
“casa de família” e não em bares e botequins repletos de desbocados
frequentadores...
- Não é, louro?
Ele me oferece um dos pés, segura
meu dedo indicador, abaixa a cabeça, e espera um gostoso e demorado
cafuné...
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miltonxili@hotmail.com
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