Tinha que ter paciência sim! E
pulso também! Qualidades importantes para quem lida, principalmente, com os
imperfeitos seres humanos! Ainda mais ele que, além disso, comandava uma
equipe, era Chefe de Seção. Como sempre, na experiência da carreira,
percebia os fatos que lhe escondiam. Alguns poucos se salvavam, em nome de
alguns muitos aspectos, e da moral da repartição. O jeito era selecionar.
Quem não se adaptasse, devolvia logo ao Pessoal (futuro Serviço de Recursos
Humanos.) Boa vida com ele não se entrosava muito não: daí, três casos o
apoquentavam, um felizmente, já resolvido:
– ”Seu“ Cristóvão, atrasei-me
hoje, reconheço. Mas o Senhor me compreenda, a minha cadela de estimação
estava tão dodói e tive que a levar para um passeio pelas areias de
Copacabana. Recomendação do veterinário. Demorei um pouco, ela não podia
correr muito...
Falta de respeito! Na mesma hora nasceu o memorando de
remoção de D. Catarina. Os outros dois casos dependiam de um único e santo
objeto: o telefone. (Naquele tempo, os celulares ainda não estavam
implantados.) Telefone de repartição era mais procurado do que político de
situação. D. Eufrasina vivia de receber interurbanos diários do seu amado
que, obrigado pelo ofício, algumas vezes partia para a Paulicéia. Quando
retornava, ciumento ao extremo, ficava até em conversas pelo corredor, e não
deixava, nem homem, nem mulher, cumprimentar sua noiva. Uma ocasião – estava
ausente do local de trabalho – o estranho homem ali aparecera munido de um
facão e ameaçara, lá de fora, a já nervosa Eufrasina:
– Nada de conversas
ou intimidades com colegas na repartição, hem! Meto-lhe a faca!
Corre-corre inesperado, felizmente sem consequências graves. E, desde então,
ele ficara alerta, à espera do reaparecimento do homem, ou para qualquer
outra emergência.
A segunda dor de cabeça era a Claudinha, a viúva. Qual
distinta senhora da “alta” sociedade, muito bem vestida, e em completo
relax, ela se apoderava dolentemente do telefone para saber das últimas e
marcar seus encontros, alheia às necessidades administrativas da Seção. Suas
pernas ficavam em distraídas posições tais que diante da curiosidade dos
olhos dos colegas, ele era obrigado a falar com ela, a sós. Outras vezes, um
automóvel parava na rua defronte, um homem subia e a chamava. Descia com
ele, retornava na hora de “fechar” o ponto, aparência um tanto maltratada.
Os dias passando e sua coleção de admiradores a desfilar. Anteontem, o
máximo do seu comportamento, ela resolveu fazer as unhas ali mesmo, nas suas
bochechas, na maior calma. Indignou-se, repreendeu-a e assinou m memorando
”sugerindo” sua transferência. Ela não se revoltou, não falou alto, mas
justificou o impensado gesto, confidenciando:
– Fiz concurso para outro
Instituto: Oficial de Administração. Passei... (Cá entre nós: - como, meu
Deus?) A nomeação vem por aí. Não me prejudique, por favor... Espere um
pouquinho!
Da sua mesa, Cristóvão a vigiava tenazmente. Salvo os
telefonemas, que continuavam, ele mudara, burocraticamente, seu procedimento
nos dias posteriores àquela repreensão, ainda permanecia nele a dúvida sobre
a existência ou não daquele concurso!
Levantou-se e alertou, uma tarde,
ao datilógrafo mais perto:
– Vou à Divisão Financeira resolver um
problema contábil importante. Haverá uma reunião com outras chefias.
Deixarei meu paletó no encosto da minha cadeira para sinalização da minha
ausência.
Vestiu um elegante casaco que costumava guardar caprichosamente
numa das suas gavetas, e saiu pelo elevador dos fundos. Quase se
esquecera... pô! Era o último dia daquele filme pornográfico francês
anunciado para aquele cineminha escondidinho entre altos edifícios daqueles
quarteirões próximos do centro da cidade!
“Também sou filho de Deus,
gente!”, justificava-se, enquanto triturava prazerosamente as pipocas
compradas no camelô.
Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email
miltonxili@hotmail.com
|