16/02/2020
Ano 23 - Número 1.161
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
FUNDO DE GAVETA
CORDA BAMBA
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O homem espremia espinhas diante do espelho do banheiro. Da porta, Vilma
tomou fôlego:
- Sabe, Helio, acho que nosso chamego vai se
acabar...
Ele brincou, na mesma posição:
- Arrependeu-se? Já
sei, você vai entrar para um convento...
- Não, não, tô falando
sério... pensei muito... O que faço com meu marido não está certo!
- E agora é que descobriu isto? Dê tempo ao tempo, fique sossegada!
- Verdade! Já passei muito tempo matutando: ele continua o mesmo
comigo... correto, atencioso, um santo...
- Já enquadrei você,
Vilma. Quer fazer agora a pose de pecadora arrependida?
- Não
deboche, Helio. O fato é este mesmo. Não adianta. Vou parar com você!
O homem viu, então, que o rosto dela lhe transmitia seriedade. Suas
mãos seguraram, firmes, as bordas da pia, e, quando falou, o tom das suas
palavras era outro:
- Quer saber de uma coisa, Vilma? Eu não pedi
para você gostar de mim. Agora, sou exigente: mulher que se amarra por
mim, eu é quem mando embora! Ninguém me deixa assim, sem mais ou menos!...
Não, essa não! Paciência, minha cara...
Vilma também não tinha
temperamento para ouvir sermões. Puxou a bolsa, encaminhou-se, ligeira,
para a porta:
- Enjoei, tá? Passe bem!
Helio se apressou,
segurou-a pelo braço:
- Não vai ficar assim, não! Nem que tenha que
fazer escândalo na sua rua, ou apagar o seu marido, sua...
Pegando-o de surpresa, ela o empurrou para dentro e fechou rapidamente a
porta.
Em casa, inquietação. Tempo passando. Quase dez da noite e o
marido não presente. Para distrair seus nervos, a tela da televisão. Ao
contrário, o filme lembrava conflitos de casais. Nele, aparecendo um
policial, ela se recordou das ameaças do Helio. Nem direito se aprontou,
voltou à rua, embarcou no primeiro taxi que se anunciou. Bateu à porta
insistentemente, e quando Helio atendeu, empurrou-a contra o peito dele,
que reagiu:
- Calma, o que houve? Não precisa de tanta violência só
para voltar aos meus braços!
- Que voltar coisa nenhuma! Quero
saber o que fez com meu marido!
- Marido? Sei lá, homem não está no
meu caderninho sexual, pô!
- Não me engane, ouvi muito bem suas
ameaças!
-Ora, ora, não me encha a paciência! Em tão pouco tempo,
eu não poderia planejar nada para ele... E além do mais, gosto de preparar
sofrimentos lentos, espaçados... Doem mais!
- Helio, não brinque...
posso dar queixa de você na Delegacia!
- Calminha, querida! Você
está muito nervosa! Quer um drinque?
- Guarde prá sua mamãezinha!
Meu marido sempre chega às sete, e até agora, nada!
Helio parou com
o pingue-pongue:
- Quer saber de uma coisa, Vilma? Me meto com
mulheres, nem me preocupo se tem marido, ou não! Eles que se danem
sozinhos. Você acha que eu teria, com tão pouco tempo, empacotado o homem?
Vilma refletiu rapidamente. Perdia tempo, saiu logo. Tinha vontade de
passar no Pronto Socorro ou no Instituto Médico Legal, mas algo a intuía a
voltar para o seu apartamento. Na cama, dormindo pesadamente, o
procurado... Acordou-o com safanões:
- Onde você andava, João?Que
aconteceu?
- Eu é que lhe pergunto!
- Estou lhe procurando
desde as oito horas!
- Obrigado pela gentileza! Pensei até em
telefonar, mas os amigos do escritório estavam doidos por uma chopada! Não
deram nem tempo!
- Chopada? Prá comemorar o quê? Foi promovido?
- Mais ou menos...
- Diga logo, homem!
- Fui promovido,
sim... a... mais um ano de vida! Chego aqui em cada, nem um cafezinho! O
jeito foi ir direto para a cama. É o que vou continuar a fazer agora. Me
esqueça,tô muito cansado...
Então ela se recordou do aniversario do
marido. Achou-se inútil naquele lar sem grandes alegrias. Cumpria sua
parte como uma obrigação, cresceu um complexo de culpa, lá pela
madrugada...
Três dias depois ninguém soube esclarecer para onde
ela viajara, depois de esperar o marido se ausentar rumo ao trabalho.
Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email
miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
Email: miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes Lima
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