16/12/2019
Ano 23 - Número 1.152
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
Fundo de Gaveta
O SUBVERSIVO
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Tempos irrespiráveis, politicamente. Para estudantes, nem pensar...
somente engasgar, engolir, a seco, as ideias libertárias.
Qualquer
semelhança com pessoas vivas ou mortas, inseridas nesta narrativa, não é
coincidência. É pura verdade, e a própria personagem se encarregou de
confirmá-la em página do Boletim nº 5 do Centro Acadêmico Alexander
Fleming.
Quatro de outubro, possivelmente do ano de 1966. Manhã já
partilhada entre aulas e provas, o estudante abandona a Faculdade e
procura o caminho de casa, em Niterói. Tem que diária e obrigatoriamente
utilizar as tradicionais barcas, momento em que, em tempo de calmaria, a
paisagem marítima lhe proporciona confortadora higiene mental.
No
entanto, segue preocupado: outra prova o espera naquela semana e
determinados pontos do seu estudo estavam sendo difíceis de assimilar.
Atravessada a baía, pisando novamente em terra firme, Tenessee
Williams, através do letreiro do cinema, o imantiza: Noites do Iguana. É
um cinema velho, quase aposentado, raros e pobres espectadores de regiões
próximas mantinham sua sobrevivência, as más línguas até o classificando
como “pulgueiro”. Mas ele não podia perder esta inesperada oportunidade: a
temática construída sobre livro de um dos seus escritores favoritos.
Entra no decorrer da exibição.
Iluminando-se novamente o salão
ao sabor do intervalo, retira da mochila a pasta com a apostila “Choques”,
folheando-a atentamente.. A uma poltrona à direita senta-se um volumoso
senhor, meio inquieto, e a espichar o pescoço para o seu lado, até o
momento em que recomeçou a sessão, quando, então, depois de algum tempo, o
homem se retirou.
O inicial e tradicional “Jornal da Tela” já em
plena exibição, dois homens se acomodam nas poltronas vizinhas e, pouco
depois, o convidam a se retirar. Um deles ainda lhe avisa, uma carteira à
mão:
- Polícia! Queira nos acompanhar!
Na sala do gerente
testemunha, assustado, à cena ridícula do esvaziamento da sua mochila,
acompanhado de indagações (na íntegra):
- Cadê o protesto que o
senhor estava lendo, sobre “Choques”?
- Protesto ??? Que protesto?
Eu é que protesto! Estava lendo uma apostila da Faculdade...
Compararam então as letras de um papel retirado do bolso de um deles. Nada
de suspeito, mas eles teimavam:
- Onde é feita esta tal de
apostila?
- No hospital onde faço meu estágio.
- Ah... Você
é estudante “superior”, hein? O Senhor é da PUQUE? (Tradução: Pontifícia
Universidade Católica).
- Não, Senhor... Sou da Faculdade de
Ciências Médicas.
Devolvida, enfim, a preciosa mochila, retornou à
sala de projeção, mas - agora reconhece - sem a concentração necessária
para apreciar o desejado filme, em estado, aí sim, de psicológico
choque...
O Boletim do Centro Acadêmico assim concluiu seu relato:
“ Eles devem ter ficado tão contentes ao descobrir que o estudante não era
“subversivo” que se esqueceram de pedir desculpas pelo susto que deram no
estudante”.
Aqui entre nós: de quem era provido, na época, de
tamanha autoridade, a decepção dos “fiscais” deveria ter sido
materializada, logo depois, no mínimo, por “cativantes” palavrões...
Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email
miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
Email: miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes Lima
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