“Sofro por sentir que os maus ventos/liberam desestimas e desgostos/e
acabam afugentando as cores belas,/de cada ser fazendo um espantalho//...”
(Poesias Reunidas)// “O gênio é aquele que pode ser mil sem deixar de ser
um na sua espécie”.// “Não ter amigos é se estar fora do coração da
espécie” // “ O horrível da amizade desfeita é a gente nunca esquecer quem
a rompeu”// “A saudade, já disse, é a paciência dos amorosos”//”Como se
ter saudade de um livro? Tenho-as.”//”A eternidade é feita de momentos. O
momento é feito de instantes”/(Terceiro céu).// “Atrás do rebanho, os
poetas. São eles os pastores das palavras.”// “Escritor que me obrigue a
ir a dicionário, para mim é escritor condenado. Não o leio. (A velha
chama)//.
O Sábio de Conceição de Piancó
escreveu 51 livros, prosa e verso. Esteve, entre nós, de 21.06.1915 a
13.06.2010. Sob meus olhos estiveram Euismos (em2001), Caracóis na Praia
(2001), Poesia Reunida (2001), Vulgata (2001), O Princípio das Penas
(2002), O Terceiro Céu (2003), À Flor da Terra (2003), Aforismos da
Precisão (2003), O Jogo das Ilusões (2004), Loas a Chile (2004), Os
pesares (2004), Poesia ou Morte (2006), Na Ciência dos Fatos (2007), todos
oferecidos pelo Autor; O Velho do Leblon (2006) e A Velha Chama (2007),
adquiridos. Funcionário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, escreveu no Jornal do Commércio e no Diário Carioca. Ficaram
famosos seus “Jornais Literários”, no qual, entre outros fatos, cultivou
análises de si mesmo e narrou sua convivência com muitos escritores da sua
época. (Há um índice onomástico de seis páginas, ao final de “A velha
chama”). Da listagem bibliográfica acima, Caracóis na Praia, Euismos e
Terceiro Céu compuseram os referidos Jornais. Tudo escrevia em estilo
simples, accessível. Era muito sincero em seus comentários, o que
desagradava a determinados escritores. Católico, não perdia uma missa
dominical ou festiva. Para quem for curioso, interessante é saber das
revelações sobre manias comportamentais de muitos escritores famosos.
Assistiu a muitos velórios. Em certos momentos, reconhecia-se (à época):
“Decididamente, não sou dos que agradam, dos que impressionam prontamente
as pessoas”... ”Por quê? Por minha culpa, minha falta de maneiras, meus
modos bruscos de falar, meu sarcasmo constante” (A Velha Chama, pg. 152).
Foi um dos defensores da vitoriosa candidatura do conterrâneo José Américo
de Almeida à Academia Brasileira de Letras. Na pg.161 de “A velha chama”
confessa: “Essa candidatura acadêmica do José Américo: é claro que estou
vivamente a empenhar-me pelo sucesso da ideia. Porém, no íntimo, bem no
íntimo, não sinto o menor entusiasmo pela glória acadêmica. Não a aprovo
nem a desaprovo. Curei-me a tempo da cegueira que um dia me levou a tatear
em busca do seu brilho. Para mim, ela existe. E é só. Existe como certos
monumentos: os bustos, as estátuas, os “in memoriam”, fazendo parte dos
usos e costumes, das grandezas e desastres de uma sociedade, de um povo. É
uma glória a que não aspiro, que me não assenta de modo algum, que seria
como uma roupa em que eu me sentisse apertado mas que nos outros me parece
perfeitamente explicável e natural, correta e até bonita”. Por falar na
Academia, Austregésilo de Athayde, então Presidente, insinuou, certa vez:
- “(A Academia) Vai ótima. Esperando por você. Mais dia, menos dia, você
estará lá, será um dos nossos.” Pus-me a rir. Eu sei melhor do que ele que
isso não é verdade. Ninguém me conhece lá. Não teria sequer o voto dele.
Dessa maneira, a cortesia não me causou a mínima sensação”(A Velha Chama,
pg.228).
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Não sei quando o paraibano Ascendino Leite se esbarrou com um trabalho
meu: se em jornais literários, em antologias de concursos, ou se meu
poetaamigo Luiz Fernandes da Silva, de João Pessoa, editor do Correio de
Poesia, lhe mostrou algum. Verdade é que, inesperadamente, recebi
“Euismos”, com um recado: “A Milton X Lima, com apreço intelectual,
gostaria que me lesse nestas velhas cismas. Cordialmente Ascendino Leite,
01.02.2001” Em 26.03.2001, remeti-lhe meu livro de poesias Cantos dos
meus silêncios, e, em 28.10.01, uma carta sobre o livro que ele me
mandara. Quando recebi “Caracóis na Praia”, sua dedicatória muito me
afagou o literário coração: “Caro Milton Ximenes, gostei bastante dos
“Cantos dos meus (seus) silêncios” que li com o maior prazer. E uma certa
surpresa também. Tudo bem fora do facilitário poético que avassala o país
ultimamente. Seus poemas têm a vibração e o acerto paradigmático da obra
centrada no vigor clássico da verdadeira construção do pathos poético. Uma
poesia acionada pelo sentimento criativo, pela leveza de expressão, pelo
gosto sutil da palavra. Uma poesia leve e afinada com a solidão, por isso
mesmo corajosa. Parabéns. Receba estas cismas do meu tempo mais recente.
Queira-me bem. Cordialmente, o Ascendino Leite, 30.03.01”. Aliás, em 2003
este mesmo livro me alegrou com uma Menção Especial – Premio Lacyr
Schetttino para Livros de Poesias, concedido pela Academia Municipalista
de Letras de Minas Gerais (BH). Enquanto isto, remeti-lhe cartas nas quais
eu sempre comentava os livros que ele me endereçava. E aí Ascendino me
surpreendeu novamente. Publicou cartas minhas nas “orelhas” do “O Jogo das
Ilusões”, como posfácio de “Na ciência dos fatos” (quatro páginas), e como
prefácio, sob o título de “Diversidades Filosóficas” (10 páginas), em Loas
a Chile (2004/2005). Ascendino recebeu do Pen Clube, em 18/06/1984, o
Prêmio Joaquim Nabuco de Memórias, e foi ocupante da Cadeira nº 8 da
Academia Paraibana de Letras (Patrono: Afonso Campos).
Enfim, a
razão desta minha justa homenagem: quando ocorrem na minha vida estas
“ajudas” inesperadas, não me esqueço de lembrar uma verdade que arquivei
em meus sentimentos: “Ninguém cruza nosso caminho por acaso, e nós não
entramos na vida de alguém sem nenhuma razão”.
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Em tempo,
recado para meus conterrâneos (Espírito Santo): Ascendino conheceu Rubem
Braga pela primeira vez, e a muitos outros intelectuais, na casa de Álvaro
Moreira, em Copacabana, em torno de uma feijoada. Lia suas crônicas. Assim
nos atestam duas passagens do livro “O Velho do Leblon” (Livraria e
Editora Cátedra, 1988): Pg.168: “Frase de Rubem Braga encerrando sua
crônica semanal, ontem, num jornal paulista: “- Eu sempre fui uma besta.”
Isso acontece aos melhores espíritos, em qualquer país ou literatura.
Mas... para que tanta autodepreciação? Sobretudo não sendo bem assim nem a
merecendo?”/Pág.265: Dedicatórias no “Sol a Sol Nordestino”, uma
delas a Rubem Braga, poeta, que vive só, numa cobertura de Ipanema,
cercado de plantas, como num jardim suspenso. Trata-as melhor que ao
gênero humano. Certas pessoas, evidentemente, ao que se diz; ele,
incrédulo do anímico, prefere o gênio potencial das coisas naturais.” –
Honra lhe vem, e ventura, quando trata do seu jardinzinho – disse-lhe,
arrimado num verso de Goethe... Enfeitava-se este de galas cênicas.
Exclamava: - Grande e belo é o mundo; mas oh como ao céu agradeço, - por
ter um jardim pequenino, bonito e meu próprio! ”Datei e assinei. Um pouco
orgulhoso de minha engenhosidade, fugindo ao lugar comum dos ofertórios
proverbiais”.