DE COSTUMES
Após o jantar, a operosa mulher foi para a cozinha
higienizar pratos, copos e talheres, deixando o marido na sala, afogado nas
notícias que o jornal do dia lhe oferecia. Então, ela foi abraçar sua rotina
telefônica de todas as noites: saber da vida e da saúde dos pais.
Telefone antigo, de mesa: do outro lado do fio as vozes deles, após o “alô”
ou “Pronto” são abençoadas por outras, em alto tom; “ Ave Maria, cheia de
graça...”
Não resiste, novamente, a um largo riso: já não era a
primeira vez que ouvia a oração. Eles haviam se comprometido, ao lado de
amigos, com a reza de um terço familiar comandado por um padre da cidade
através de um canal televisivo, três vezes por semana.
O que fez a
mãe lhe contar que, numa dessas noites, o marido, em sono forte, se remexia
muito no leito do casal e ela, com o cotovelo, tentava chamá-lo à linha. Era
este o mesmo procedimento que também usava quando ele dormitava
inconvenientemente durante as orações. Qual não foi seu espanto quando o
marido, ali no quarto, reagindo ao seu chamado, foi imediatamente abrindo os
olhos e balbuciando, como autômato:
- Ave Maria, cheia de graça!...
....................
O porteiro do edifício onde residia a
referida senhora tem ideias muitas vezes “possivelmente” geniais. Ela
costuma trocar farta correspondência com familiares e amigos nos Estados
Unidos, e o encarrega sempre de postá-la na agência dos Correios do bairro.
Como observava que as cartas eram, em geral, volumosas, ele não teve dúvidas
em aconselhá-la:
- Faça como eu quando escrevo para os parentes no
meu Portugal. Para não pagar muito selo num carta grossa assim, mando, a
cada semana, um pedaço da carta. Pagamos muito menos, não acha?
A
mulher, então, ficou em silêncio, e adivinhou:
- É, são mistérios ou
critérios de além-mar....
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