15/12/2017
Ano 21 - Número 1.057
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
Certa Noite de Natal
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Pacata cidade interiorana, lá pelos lados do Espírito Santo, em tempos
de mil novecentos e quarenta oito. Na velha casa de dois quartos, sala,
cozinha, banheiro lá fora, se espremiam e se desviavam marido, esposa e três
filhos: um menino e duas meninas, todos em início de idade escolar.
Ali, o Natal começava a se anunciar no mês de agosto, quando a mãe, mais
instruída, começava a colecionar, até novembro, as edições da revista
infantil “Tico-Tico”, para retirar, depois, as páginas centrais onde estavam
impressas as coloridas figuras que, aos poucos, recortadas e coladas a um
grosso papelão, iam formando, mês a mês, o futuro e ansiado presépio.
Semanas antes da data, no refúgio das horas tardias das noites, para que
as filhas não a vissem, a mãe, pedalando a máquina de costura, reformava e
enfeitava as mesmas bonecas presenteadas no ano anterior. Ao filho, uma nova
calça curta, uma camisa ou um boné. Improvisava-se uma árvore natalina com
galhos dos arbustos do quintal, debaixo dela descansavam os “misteriosos”
presentes. Vez em quando padrinhos se lembravam dos afilhados, remetiam
novidades. Foi assim que o menino ganhou a primeira bola, e as meninas uns
brinquedos de jogar e uns sapatinhos. E todos ficavam felizes, mesmo com os
companheiros de brincadeira exibindo coisas mais interessantes, curiosas
novidades. Apesar de muito desejarem, jamais pegavam o Papai Noel, o
velhinho, apesar de velhinho, devia ser esperto, vinha sempre muito cedo, lá
pela madrugada, estavam todos dormindo.
O pai, ferroviário, não era
presença constante no lar, era escravo das escalas de trabalho que, muitas
vezes, o afastavam para outros Estados.
Naquele ano, veio segredar à
mulher: - Vamos preparar as crianças para uma coisa meio chata. Não vou
poder estar aqui no Natal...
Explicou: - Coisas lá no
Sindicato... Discuti com o grupo do meu chefe. Perdi o controle, disse umas
verdades que mereciam ouvir... Agora, veio esta vingança, ele me escalou
para uma viagem longa, lá pelo ramal de Carangola, e começando bem no dia
23!
Ela lhe relembrou frase muito repetida: - João, João, você tem
que controlar esse seu pavio curto! - Entenda, mulher, um dia isso vira,
fico por cima, e chega minha vez... - justificou.
No Natal, a mulher
amuada e silenciosa. Entretanto, percebia a alegria das crianças, e era só
isto que anestesiava a tristeza do seu coração de mãe e esposa.
Muitos anos depois, o adolescente filho, num baile do colégio, veio a saber
que naquele ano, na verdade, o pai passara as festas natalinas com uma outra
mulher. E isto confessado por sua própria e então desconhecida irmã, ao
tentar inocentemente namorá-la, e ela, filha daquela outra mulher, já
sabendo quem ele era, se encarregou de esclarecê-lo.
Acolheu o
segredo. Assimilou-o entre silenciosas angústias. E a já admirada imagem da
mãe cresceu mais ainda em meio aos seus jovens e controversos sentimentos.
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(15 de dezembro/2017)
CooJornal nº 1.057
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
miltonxili@gmail.com
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