Milton Ximenes Lima
A MISSÃO
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De súbito, a solicitação telefônica.
Apresentou-se na luxuosa sala da Diretoria de Administração da Companhia. Logo
sentiu a voz suave do Diretor escondendo, diplomaticamente, autoritária
convocação:
- Estamos precisando da sua colaboração. Você tem carreira brilhante, é de
nossa inteira confiança. Parece que aconteceram estranhas operações contábeis
lá na filial de São Paulo, entende bem o que quero saber, não?
Nem argumentou, o homem já definira o plano:
-Já convidei gente do Espírito Santo e de Goiás para se reunir a você lá.
Pegue aqui este relatório das primeiras averiguações, vá estudando. Vocês têm
a liberdade de escolher o método de trabalho melhor, e o pessoal do apoio.
Passe na Secretaria, apanhe as passagens para embarque nesse domingo agora, à
noite...
Estranhando, agora, a cidade estranha, ruas agitadas por transeuntes
apressados, trânsito nada silencioso... algumas dificuldades na comunicação
com os novos colegas. Na verdade, os fatos a serem esmiuçados no Banco não
eram tão difíceis de apurar, apenas os comprometimentos dos ocupantes de
determinadas chefias iam se desdobrando em teias de vastos e altos interesses,
obrigando o tempo de trabalho a se alongar e, com isto, novas descobertas,
mais tempo de permanência naquele rude inverno.
A impaciência envolvia seus pensamentos e atitudes. Família, só por telefone,
apesar da proximidade do Rio: o que pretendia, ficando na cidade, como
presidente da sindicância, era que os fins de semana reforçassem o convívio
com os colegas da comissão, estratégia para um caminho mais rápido para a
conclusão dos trabalhos.
Eis que, tempo demorando, aquela mulher de meia idade, traços nórdicos em
magro corpo, olhos azuis por detrás dos redondos óculos de secretária, se
insinuando, se aproximando, confessando-lhe mesmo que vinha apreciando seus
gestos calmos, sua voz tranqüila, queria conhecer um homem paciente assim, e
mais ainda, que era virgem... Bem, matutava ele, quanto a isto, só com o tempo
poderia descobrir...
Sexo, estava precisado, não pedira, nada mal se aventurar nesse encontro sem
raízes. Decidiu abrir uma exceção no seu comportamento, recebê-la no
apartamento que a empresa lhe reservara. Exceção sim, porque tinha receio
desses encontros com pessoas de pouco convívio, lembrava-se de uma outra
mulher, ao tempo de solteiro, que lhe dissera na manhã seguinte à noite de
muitas carícias:
- Acordei madrugadinha ainda, vim à janela fumar um pouco. Depois, te vi
dormindo, fiquei admirando teu corpo tão bonito, em repouso...
Tomou, aí então, consciência do perigo que correra. Durante aquele período de
tempo em que ela se levantara e o contemplara, estivera praticamente em suas
mãos. Desconhecida, poderia fazer dele o que quisesse, roubá-lo, matá-lo
até... desaparecer sem deixar rastro. E aprendera mais essa.
Outro receio era o aparecimento da esposa. Sabia que ela vivia mergulhada nos
problemas e nas alegrias dos três filhos adolescentes, entretinha-se bastante
com novelas e filmes na televisão, mas pressentimentos às vezes lhe assaltavam
a mente.
Entrou no apartamento, ajeitou suas roupas no encosto da poltrona da sala,
ficou só de sunga, e, próximo à janela, curtiu lentamente um cigarrinho,
enquanto a mulher se encaminhava para o banheiro. Quando percebeu que ela já
se demorava, foi até lá, encontrou a porta trancada.
- Estou me preparando – ela se justificou.
Reapareceu, enfim, rica lingerie a revelar conservado e claro corpo, perfumes
no ar.
- Comprei isto especialmente para nosso encontro, é da Casa Orleans, a melhor
da cidade, gostou?
Todo cuidados, conduziu romanticamente palavras e atos, sua experiência
costurando emoções e prazeres. Satisfeitos, e como era cedo, resolveram
jantar, em comemoração. Antes de sair, porém, percorreu todo o apartamento,
preocupado em eliminar vestígios da presença feminina.
Deixou-a, depois, no bairro em que ela morava, regressou ao apartamento e
quando já começava a cochilar ao embalo das imagens da televisão, o porteiro
interfonou:
- Dr. Silva, Dr. Silva! Tem uma senhora aqui, dizendo que é D. Margarida, que é
a sua Senhora, querendo subir. Pode ser?
Um tanto atordoado, recebeu a esposa, primeiro, com um forte e longo abraço,
depois, com máscara de espanto:
- O quê que foi, querida? Quê que aconteceu?
- Nada, nada, homem de Deus! Surpresa, meu bem! Resolvi passar o fim de semana
com você aqui! E conhecer São Paulo...
- Me desculpe, querida, isso é que não vai poder ser agora, não... Fica pra
depois, tá bem? Um pouquinho de paciência... Eu é que estava pensando em te
ver. Este lugar aqui acaba me matando de ansiedade, é um tédio só! A gente
nunca que consegue acabar o tal inquérito... Vamos já para o Rio, quero também
rever a nossa garotada!
Praticamente a arrastou para a portaria do prédio, “um táxi, por favor”, seu
José... Pensamentos passeando pelas visões dos prédios e luzes da noite da
cidade atravessada pelo automóvel. Depois de tanto esforço com uma virgem, era
virgem mesmo, minha mulher jamais iria compreender o porquê de eu, sempre tão
solícito à cama, e depois de tanto tempo, me recusar a transar com ela naquela
noite. Com a minha idade, pô, não sou mais herói...
Sorte: ainda alcançaram o último vôo da ponte aérea. Sem mala e, além da roupa
imediatamente improvisada, um paletó esporte para defendê-lo do tempo e do ar
mais frio do avião.
(03 de agosto/2012)
CooJornal nº 798
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
miltonxili@gmail.com
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