Itabira, Jaraguá, 2005 - Foto MXL
Dinheiro antigo (I)
Década de 1940, devia estar entre os oito e nove anos de idade, mas gravei o
detalhe daquele momento rotineiro de manhã de domingo na “Matriz” de N.S. dos
Passos, na hora da colocação dos óbolos nos saquinhos de oferendas, no meio da
missa. Gravei porque quem foi protagonista era rica senhora que, semanas
antes, patrocinara uma visita da imagem portuguesa de N.Sra. de Fátima à
cidade e, se não me engano, doara uma cópia à paróquia. Pois bem, ela deu uma
moeda de mil réis e... pediu troco para quatrocentos réis! Mãos abertas,
aguardou e recebeu as moedas reclamadas. Era a primeira vez que ouvia tal tipo
de solicitação, e me admirei ter partido de quem partira, mesmo sabendo que, à
época, nossos “réis” eram valorizadíssimos!
Dinheiro antigo (II)
Morreu a vovó materna dos meus quase-vizinhos da rua Moreira. Vovô sozinho, a
filha o trouxe para sua grande casa, onde passou a partilhar o ambiente com o
casal e dez filhos. Madrugador por hábito, deram-lhe a incumbência de, todos
os dias, ir à padaria fazer as compras necessárias ao café matutino. Por muito
tempo a família se acostumou com essa ajuda, até que, certa manhã o vovô não
se levantou, sofrera um derrame. Recuperou-se parcialmente depois de longo
tratamento médico e fisioterápico, mas não mais lhe confiaram a antiga tarefa,
já que, às vezes, ficava “meio esquecido”. O que não os livrou de uma confusão
com o barbeiro amigo, a quem ele teimava pagar com notas de dinheiro... que
deixara de circular. Teimava tanto que os familiares foram convocados para
arrastá-lo do salão. Daí em diante vigiaram seus passos, e, assim, o vovô, foi
murchando, murchando, virou criança, até se despedir definitivamente.
Aniversários antigos
Ah, os infantis aniversários de antigamente! Tão simples como as alegrias
daquelas crianças da rua Don Fernando. Já suados de tanto brincarem pelo
quintal, elas eram convocadas para circularem em torno da mesa de toalha
melhor, sobre a qual um bolo, doces e balas cativavam seus olhos e faziam suas
bocas as mastigarem previa e imaginariamente. Vozes ansiosas pelo final do
“Parabéns pra você”, e, em seguida, ao ataque! Em meio a isso, a curiosa
lembrança daquela menina, vizinha, que se habituara a puxar imediatamente para
perto do seu corpo o prato dos “brigadeiros”, repelindo, com valentia, outras
mãos que se aproximassem. Muitos e muitos anos depois, no Rio, contei o fato
para a irmã dela, e ela só me observou:
- Ah, se papai soubesse disso! Era castigo na certa quando chegasse em casa!
Nesses aniversários, ainda me recordo, parecia que levar algum presente era um
compromisso moral. Tanto que os amiguinhos mais pobres levavam sempre um
sabonete, devidamente maquiado com um papel enfeitado, às vezes amarrados com
cordões coloridos. O aniversariante nem estava aí para esses conceitos de
valor, o importante era não se apresentar com as mãos vazias, não deixar de
levar qualquer presente... Colocava-o sobre a sua cama, e partia para o quintal
para continuar a sujar sua melhor roupa nas brincadeiras com os companheiros
de rua. Um verdadeiro milagre, acho, porque normalmente, criança é sinônimo de
sinceridade-franqueza demais, sempre diz o que pensa e o que imagina!
Principalmente se é um presente de aniversário. Mas eram outros os tempos...
Não que a gente faça questão, mas melhor que certos adultos que comparecem às
nossas festas de hoje, se lambuzam com tudo que é oferecido, e, na saída, de
mansinho, nos segreda:
- O presentinho vem depois, tá?
Ficamos, apenas, compreensiva e pacientemente acreditando...
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Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
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