Primeiro movimento
Foto MXL (Araçatiba, Maricá)
A princípio, quando me magoam, não me
confesso a ninguém. Primeiro me pergunto se a minha sensibilidade e a minha
imaginação é que permitiram entrar e acolher essa mágoa no meu coração. Se
não foram, me recolho, tento descobrir se o ato que conseguiu me atingir foi
intencional. Dou um tempo, e, cautelosamente neutro, começo a observar a
pessoa nos olhares, nas palavras, nos gestos. Se verdadeiras minhas
desconfianças, abandono o nome da pessoa na gaveta do esquecimento, ela
sepultou, perante mim, o seu crédito existencial. A indiferença é a resposta
maior que ofende muito mais o ego dessas pessoas agressivas, elas sempre
querendo aparecer e não se incomodando, em nome da expansão desse seu ego,
em machucar as almas dos outros.
Mais tarde, infelizes se sentirão,
ao se submeterem, de uma forma irresistível e obrigatória, às personalidades
mais fortes que a própria. Momento, aí, de decisão: acomodarem-se,
reinventarem-se, ou sofrerem, definitivamente, as conseqüências da lei
natural do retorno: o mal que fizermos, consciente ou não, está a nos
esperar na angústia de um sofrimento qualquer, na esquina inesperada de um
momento do futuro.
Segundo movimento
Foto MXL (Cozumel,
México)
Hoje amanheci cultivando mágoas. Vontade de não falar com
ninguém... Muito ruim isso, revolve tristezas, elabora desavenças. O que
poderia ter sido e não foi? Culpa nossa? Doação demais, com pretensão
egoística de possível gratidão? Ora, não se deve esperar nada das pessoas
com quem sentimentalmente iremos conviver, como falou o simpático padre da
capelinha do Alto da Boa Vista (RJ) durante o casamento da filha do meu
amigo J.Francisco... Nada de imaginações subjetivas sobre a outra pessoa,
nova em sua vida, só o convívio vai definir os seus comportamentos. Ele foi
enfático, perguntando a cada um dos nubentes: - O que v. espera dele(a)? -
e, interrompendo imediatamente as palavras deles nas tentativas de resposta,
emendava: “- Vocês não devem esperar nada... Vão é aprender a respeitar as
respectivas individualidades, ajudando-as, pelo convívio, a crescer... Nada
de imposições, e, sim, avaliar e aprender a dividir o espaço existencial e
as tarefas de cada um. Este é o possível e importante caminho para a
sobrevivência de um casamento.” Intrometo-me aqui: qualquer que seja a
crença do casal, é sempre bom, também, ter um Deus-Amor-Energia escondido,
semeado no coração.
Terceiro movimento
Foto MXL Jardim
Botânico RJ, - Menção honrosa AMBEP-Petrobrás (Refúgio)
Cada um responde,
a seu modo, subjetiva e fisicamente, às emoções da mágoa que lhe escava o
coração. E da maneira que entender mais confortável às conclusões dos seus
pensamentos. Gosto, neste instante, de subir às montanhas, cultivando
exercícios de humildade e entrosamento com a verde tranquilidade da
natureza. Primeiro, cativo nos olhos esplendores do azul do céu matutino.
Segundo, contemplo o infinito, as montanhas, as florestas, os riachos que
lhe escorrem pelos ombros, tudo isso espraiando dentro do peito a mensagem
eterna sobre a insignificância do homem diante desta mesma natureza. Enfim,
peço silencioso perdão a ela, a natureza, pelos ferimentos que os homens lhe
impingem, em eternas atitudes de agressão, de demolição, de destruição. Ela,
na verdade, não se vinga, ela deixa simplesmente de cooperar. O universo
entra, depois, em desarmonia, e ela se queixa, muitas vezes violentamente,
em movimentos inesperados nos ares, nas terras e nos mares. As inevitáveis
lamentações humanas lembram-lhes a colheita das sementes mal plantadas.
Mais tarde, na descida dessas serras, aspiro, relembro e cultivo o bem
estar quase anestésico da lição apreendida, a de, dali em diante, minimizar
e diluir, conscientemente, a imagem de quem conseguiu se intrometer na
quietude do meu existir.
Pequenos, pequeníssimos somos neste vasto
mundo, mas prisioneiros sempre da nossa grande imaginação, perigosa fonte
para os caminhos e descaminhos das nossas emoções. Dela nasce a medida das
nossas impossibilidades existenciais ou das esperanças de superação íntima e
realização dos sonhos, nascedouros de pensamentos adormecidos que vão moldar
os nossos próximos passos de vida. E reagiremos às novas agressões já
aperfeiçoados com um novo modelo de procedimento, então inteligentemente
escolhido. Modelo que nos amparasse com uma técnica que nos permitisse não
deixar o aborrecimento entrar no nosso mundo interior e nos permitisse,
também, descansar sobre nossas emoções.
Publicada na edição
histórica da Revista da Academia Cachoeirense de Letras, Cachoeiro de
Itapemirim, ES, comemorativa dos seus 50 anos de fundação (28.06.1962).
(RT, 30 de março/2012) CooJornal nº 780
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miltonxili@hotmail.com
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