01/05/2024
Ano 27 Número 1.365
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
O FALECIDO
(Ficção-realidade)
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Depois de mais um daqueles belos crepúsculos com que a orla marítima do Leblon
costuma apascentar nossas emoções, a noite se debruçou sobre os morros e os
prédios do bairro. Na galeria de um velho edifício, pouco a pouco, os
comerciantes anunciavam o término dos negócios, arriando as portas das lojas. Em
contrário, alguns bares permaneceram abertos, já que o movimento mais forte de
fregueses principiaria naquele momento.
Arrastando seus variados
pertences, o mendigo chegou. Com folhas de jornal que arrebanhara do lixo de uma
banca de jornais, ventilou e varreu um canto que lhe pareceu mais isolado e
protegido, lá no fundo. De um saco de estopa, retirou a lata de gordura de coco,
predileta marmita, descansou-a sobre o chão e a envolveu com o sujo e
amarfanhado saco. Estava pronto o travesseiro. Assim, foi adormecendo, no
caminho dos seus merecidos sonhos.
A posição, por muito tempo, daquele
homem, espichada, dura e aparentemente imóvel, porém, passou a impressionar aos
passantes. Tanto que mãos, presumivelmente caridosas, se encarregaram de cobrir,
com o resto dos jornais, toda a extensão do seu corpo. Depois, quatro cotocos de
velas vieram demarcar e iluminar as quatro extremidades geométricas –
imaginárias do corpo, um retângulo meio imperfeito. Enquanto isto, gente
chegando, chegando, curiosa:
- Que é? Quem é? Quando foi? Como foi?
Coração? Cachaça?
Ninguém sabia respostas para perguntas tantas.
Conselhos, apenas: não mexam nele até a chegada das autoridades. Perigo no
toque, nas impressões digitais. Doenças infecciosas!
Arrostaram, sem
outro remédio, um guarda de trânsito, nervoso e indeciso, por haver abandonado
sua estratégica esquina. (“- Sim, ficaria por ali perto, mas não por muito tempo,
que fossem logo buscar um policial mesmo” – condicionou.)
De repente, no
meio de todas essas opiniões e providências, muitos presenciaram o que a ciência
até hoje pouco testemunhou. Em princípio, admirados, depois espantados. E
debandada quase geral! Impossível! O falecido, importunado no seu repouso pelo
movimento das pessoas e suas vozes agitadas, abriu um olho, arregalou o outro,
situou-se, espalhou violentamente os jornais que o cobriam, pôs-se de pé, chutou
as velas, quis brigar, em alto e arrastado som:
- Que merda é essa, onde
tá o viado que fez isso? Apareça, se for homem!
Depois, assumindo altivo
e digno porte, olhar por cima de todos, catou suas bugigangas, ameaçou ainda
jogá-las sobre os mais próximos, e, vomitando palavrões, abandonou o local em
direção à praia, entre freadas dos carros na avenida litorânea.
Próximo,
um automóvel tipo esportivo há muito estava parado à beira da calçada defronte.
Dentro dele, quatro rapazes bem vestidos, cigarros entre os dedos, vigiavam e
saboreavam risonhamente sua macabra brincadeira, a primeira daquela noite de
sexta-feira. Que se prometia longa...
(02 de dezembro/2011)
CooJornal nº 764
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miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
Email: miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes Lima
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