Sexta-feira. Voltavam da casa do filho, onde curtiram o
primeiro neto. Deixou a mulher no carro e, na semi-escuridão, escarafunchava
o cadeado do grande portão da sua residência, entrada de veículos.
Os
dois homens, um branco e outro mulato, roupas bem apresentáveis, se
aproximaram então. Nervosos, mas enérgicos:
- Entrem no carro e vão
pro banco de trás! E quietinhos, tamos com os berros aqui na cintura!
A mulher começou a choramingar, o marido tentando acalmá-la.
Advertiu o
assaltante que se sentara no banco do carona:
- Êêê tia, nada de
berreiro! Não tamos a fim de furar ninguém... Não vai sujar nossa barra! Só
queremos o carro emprestado para um ganho e só essa noite... E você, tio,
boca fechada, nada de chamar os tiras! Amanhã nós vamos telefonar para
avisar onde vamos deixar a sua viatura...
- E os documentos? –
lembrou o avô.
- Faz de conta que tão emprestados até amanhã...
Abandonaram-nos perto de um posto de gasolina, em outro bairro,
perguntaram se tinham grana para o táxi.
Quando o pai telefonou para
o filho, não se entenderam:
- Vá à delegacia, sim, pai! A polícia tem
um aparelho que registra o local de onde eles vão telefonar... E o seguro?
Já acionou o seguro?
- Filho, não quero confusão com essa gente, é
gente muito vingativa, prefiro acreditar neles, aguardar um pouco... Eles
sabem agora até onde eu moro!
- Está bem, pai, está bem... Faça o que
achar melhor, mas se precisar, estou por aqui. - Na tarde do dia
seguinte os assaltantes abandonaram o automóvel, avisaram a sua localização,
como combinado. Na garagem, minuciosa busca os deixou surpresos: nada, do
toca-fitas ao estepe, fora subtraído. E ainda por cima, no porta-luvas, dois
ingressos para um espetáculo teatral naquela noite.
Esquisito isto...
mas eles tinham cumprido o prometido! Nada mal aproveitá-los! Há muito não
faziam este tipo de programa. Esticaram depois até uma churrascaria e, já
madrugada, muito alegres voltaram para casa, aquele vinho, realmente, era
muito bom! O marido nem precisou encaixar a chave na fechadura, a porta
estava simplesmente encostada. Esquecera-a aberta? Bem, esta velhice traz
muitas distrações!
Na sala, parou. Angústia, estômago doendo. Sentiu
as pernas bambearem, desabou na poltrona, atônito, incrédulo. Desarrumação
por todos os lados, muitas coisas abandonadas pelo chão, desesperanças até
de procurar os escondidos valores...
- Filhos da puta! – explodiu.
Enquanto a mulher chorava, estendeu a trêmula mão até o telefone, em
busca da voz do filho.
(in Cachoeiro Cult, outubro 2011)
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