01/09/2024
Ano 27 - Nº 1.381
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
PELOS TÚNEIS DO METRÔ (II)
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Foto MXL l.
Comportamento (I) – Ao tempo do início da implantação da Linha 1 do Metrô-Rio,
na parada da Estação Central, que costuma receber os passageiros suburbanos da
Estrada de Ferro. Dois homens, em algazarra, bloqueiam uma das portas do vagão
para que mais três, a correr, pudessem acompanhá-los. Alegria geral por terem
conseguido! Aí, deu-se o encontro dos seus olhares com os dos passageiros,
sentados, silenciosos, testemunhas severas da inusitada invasão. Diminuíram os
risos e falatórios, foram para o meio do vagão e se acomodaram onde puderam.
Pareceu-me que, momentaneamente, perceberam que ali se encontravam em outro
país.
2. Comportamento (II) – Na Estação Saens Peña embarca o homem de
meia-idade abraçando o rapaz, em traje de colegial. Sem desfazer o abraço,
acomodam-se no banco duplo, conversam baixinho. Duas estações depois, Afonso
Peãa, o homem se despede com um beijo na testa do garoto, e, da plataforma,
ensaia adeuses. Em retribuição, recebe tímidos acenos. E daí?... As deduções
são minhas: - Pai aconselhando filho? Pai separado querendo oportunidade para o
filho merecê-lo? Em lugar impróprio para tanto? Jamais saberei. No mínimo, são
afeições em crise, que me desafiaram a imaginação num momento de difíceis
desdobramento e esclarecimento dos fatos e das ideias.
3. Estranho
apelo – Visualizo a tatuagem azul-escura gravada na parte mais alta das costas
claras e largas da moça que entrou na Estação São Francisco Xavier. De um lado
a outro uma advertência bíblica nos ameaça: “Muitos são os chamados, poucos os
escolhidos”. Abandono, por momentos, meus “puros” sentimentos religiosos, caio
numa real ao avaliar o sadio corpo daquela mulher, e me pergunto:
- Escolhidos... escolhidos, por quem? Por quem, heim? Heim?
4.
Solidariedade – Aprecio a confraternização musical do rapaz com a moça,
uniformizados do Colégio Pedro II, talvez namorados ou enamorados, que
dividiam e apreciavam o som de um mesmo rádio, puxando os fios dos fones para
um dos respectivos ouvidos. Assim permaneceram até a Estação Presidente
Vargas.
5. Conforto – Hora do “aperto” na Estação Central do Brasil,
entre 17h e l8h. Jovem passageira, procedente de uma baldeação, calmamente
descalçou seus sapatos e os trocou pela sandália tipo havaiana que, até ali,
escondera numa sacola plástica. Em pé mesmo, sem se sentar em banco, sem se
apoiar em colunas. E o esverdeado comboio Pavuna-Botafogo, pouco depois, a
engoliu e a levou para sempre.
6. Auto-estima – Mais de uma vez
presenciei, também a partir da Estação Saens Peña, a elegante mulher,
gordinha, sentando-se no canto da janela, abrindo e revolvendo a grande bolsa
que pousara sobre suas pernas, depois tranquilamente se maquiando, sob a
vigilância de um espelho na mão esquerda, pincelando cílios e sobrancelhas, e,
ao final, disfarçadamente, mãos já dentro da bolsa, massageando os dedos com
um creme. Depois, em discreto olhar, se esforçando em constatar, no reflexo da
sua imagem na janela envidraçada do vagão, a qualidade dos resultados dos seus
retoques faciais.
7. Privilégios (I) – Tantas as repetições dos avisos
sonoros, que incorporamos automaticamente à memória a destinação
“filantrópica” ou “assistencial” daqueles mencionados “bancos laranjas”
(idosos, gestantes etc). Mesmo assim, por razões várias, às vezes são ocupados
por pessoas jovens. Nessa hora, quando eles insistem em ceder o espaço, é que
me toco que os meus cabelos brancos estão me qualificando cada vez mais. Com
frequência. Sobraçando pasta e embrulhos, aceito a (obrigatória) concessão.
Mas, confesso, sentindo-me bem para dar uma exibição de vigor, não faço
questão, e, certa vez, exagerei na minha justificação: - Pode deixar,
“minha filha”, acabei de sair de uma reunião em que fiquei sentado quase três
horas! Pode deixar, levante não...
8. Privilégios (II) - Achando-se no
seu direito, a idosa senhora se postou bem defronte a um “banco cor laranja”,
começou a comentar, em voz alta, sobre a falta de educação de certos jovens
que não eram gentis em ceder o referido banco. Aquilo tinha endereço certo.
Ali, à sua frente, estava a tal indiferente jovem, demonstrando que dali não
sairia tão cedo. A idosa, percebendo, multiplicou suas queixas, tentando
cativar a simpatia dos passageiros vizinhos. Foi então que a mocinha se mexeu,
e, devagar e calmamente, puxou para a cima a bainha da perna direita da sua
calça comprida até exibir, claramente, parte da sua perna mecânica.
9.
Aviso aos navegantes – Mais de uma vez aconteceu. No sufoco da hora do
“aperto”, descendo rapidamente as escadas, entrei no primeiro vagão com que me
deparei. Lá dentro, todo satisfação pelo espaço espertamente alcançado, mais
calmo, olho para um lado, olho para o outro, e me sinto um passageiro
diferente, mas privilegiado: bendito fruto no vagão das mulheres...! Elas
apenas me olhavam, sem censuras. Aí, uma que estava perto, também em pé, me
acolheu, observando: - Não saia, não! Vai ficando misturado no meio de todo
mundo. Você não está sozinho não, eu estou aqui, veja, com meu namorado!
(Depois constatei que minha rapidez superou os olhares dos vigilantes
encarregados de orientar os passageiros naquela estação, Carioca, e escapei
dos demais, postados nas estações subsequentes, que convidavam, também
gentilmente, os homens a desembarcarem, se possível na estação próxima que
oferecesse a possibilidade da composição permanecer mais tempo parada, como,
no caso, a Central).
Foto MXL
(RRT, 14 de outubro/2011)
CooJornal no 757
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miltonxili@hotmail.com
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
miltonxili@gmail.com
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