Contar histórias de passarinhos, falta do que fazer!
– muitos poderão assim presumir. Injustiça, minha gente, porque ainda
trabalho, mesmo depois de aposentado. Vou e volto todos os dias, em horários
diversos, – é verdade - , mas não tenho tempo para ficar paradão,
aguardando, observando e me inspirando nos movimentos dessas rolinhas. O que
realmente ocorre, em determinados momentos caseiros, é o obrigatório
convívio. Coincidência estarmos no mesmo local, e na mesma hora. Diversos
pássaros citadinos, raríssimos cantores, amanhecem e entardecem por aí, em
busca de alimentos. Até brigam entre si na conquista deste espaço. Eles não
são diferentes nestas já conhecidas varandas minhas de sétimo andar. Só que,
certa vez, além das necessidades do estômago, outra surgiu. A gente notou o
inquieto casal a demorar-se mais, a se destacar do grupo. Os dois passeavam
pelo chão, pelo gradil, pelos vasos de plantas, e, por fim, começaram a
procurar repouso entre as folhas de samambaias e de renda portuguesa dos
xaxins depositados em pratos suspensos, acorrentados ao teto da varanda da
sala.
Dessa vez, porém, tiveram que enfrentar a resistência da minha
mulher, que se negava a hospedá-los por causa do que acontecera no ano
anterior: no momento do aprendizado do voo inicial, um outro casal rejeitou
um dos filhotes, abandonando-o a nós, que tivemos a obrigação sentimental de
precariamente dele cuidar e acompanhar a agonia do doentinho. Nós não
queríamos a repetição dessa tristeza.
Assim, localizada a planta
escolhida por eles, ela preencheu o espaço do iniciante ninho com bolas
amassadas de papel colorido, tentando afugentá-los.
Dias seguidos, os
dois não estranharam, assim mesmo se acomodaram. Sensibilizada com a
teimosia das aves, ela retirou as tais bolas-espantalhos. Então, sem
qualquer mandado judicial ou celebração de escritura, devidamente
registrada, o casal imitiu-se na posse do ambiente, entre constantes
“sobes-e-desces” de transportes de gravetos e afins, até quando a futura
mamãe, aprovando a decoração das acomodações, se aconchegou definitivamente
lá em cima, indiferente às forças dos ventos, que constantemente balançavam
sua minúscula, mas segura “residência”. Corpo estático, olhos vigilantes
sobre a paisagem humana. A do ano passado era mais calma. Esta, a qualquer
tentativa de aproximação, fugia, em rasante voo. Nem vimos quando,
“ingratos”, os três se foram, sem qualquer despedida, enquanto que os do ano
anterior nos permitiram até acompanhar, de janela mais distante, os
ensinamentos para os primeiros e desajeitados voos do “bebê”.
Hoje, além das insolentes rolinhas, só nos ficaram as
visitas hábeis e velozes dos beija-flores, oscilando entre flores e a
tentadora garrafinha suspensa; dos bem-te-vis, comilões estridentes e
exigentes; de dois pequeninos e nervosos passarinhos de peito amarelo (se
parecem com um bem-te-vi em miniatura), banhando-se nas águas das bandejas
dos xaxins, deixando-se escorregar nos ramos de plantas menores, e tentando
alcançar, com os bicos, as saídas da açucarada água da garrafinha, às vezes,
até, em peripécias circenses, cabeças para baixo. Sem falar do ativo
besouro, pairando, pesadamente, entre as frágeis folhas e flores dos vasos
menores e nas saídas laterais da mesma garrafinha.
Ainda tenho a história do solitário periquito amarelo de peito azulado,
que apareceu para enfeitiçar e enfeitar aquela tarde ensolarada de um
domingo sem data, mas, reconheço, é muito pássaro para pousar numa crônica
só. Fico, então, por aqui...
Que “pena”! – brinca, enfim, em sussurro, o
meu cérebro mui moleque...
(Fotos do autor)
(07 de outubro/2011)
RT, CooJornal nº 756
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miltonxili@hotmail.com