Ocorreu em 1983, um ano após ter adquirido o novo imóvel.
Quando as
rolinhas diminuíram suas visitas à minha varanda de sétimo andar, pressenti
que algo mudara. A canjiquinha, especialmente comprada, ficou antiga, meio
abandonada. Um pouco mais de tempo, e a possível explicação: bem defronte,
derrubaram árvores, inclusive a enorme mangueira, no grande terreno dos
fundos de uma casa antiga onde talvez elas se abrigassem.
Marteladas,
gritos de homens e serras, máquinas em movimento, luzes à noite, braços no
cimento, construção inicial de um escritório. O vento se encarregava de
trazer a poeira até nós. O mutirão febril aprontava e apontava, depois, os
ferros para o céu, fazia arrumações de tijolos e nascer rapidamente o novo
prédio, um novo “pombal” talvez.
Da ampla paisagem perdi, aos poucos,
todo o lado esquerdo, o verde próximo da pequena elevação do Asilo de Velhos
de Vila Isabel, qual imensa chácara, atrás da Escola Argentina. A Torre
d´Água do Largo do Maracanã, no início do “Boulevard” 28 de Setembro e as
visões-além da Serra do Mar, Dedo de Deus em destaque, tudo sendo mutilado.
As luzes da imensa Universidade estadual ficaram seccionadas. De lá, por
detrás, a gente podia acompanhar, dia ou noite, os aviões que subiam do
Aeroporto Internacional, contornavam sobre o centro da cidade e passavam
sobre a Tijuca. Como pudemos então perfeitamente acompanhar o voo do avião
papal se despedindo de nós, a caminho da Argentina.
Pareceu-me, no
acompanhamento das atividades, que fariam dois blocos, reunindo duas ruas,
com espaço de lazer entre eles. Talvez, nos limites deste novo espaço, eu
poderia ser esperançosamente contemplado com o brilho da iluminação do
Estádio do Maracanã nos jogos vespertinos e noturnos, mas, para a direita,
me ameaçariam com a perda do panorama do centro da cidade, do relógio da
Central, e, de outro, novo, eletrônico, e mais uma fatia do morro do Colégio
Militar. Bem mais à direita, o magnífico conjunto de montanhas da Tijuca
ainda se sobrepunha, nascente em Santa Tereza, subindo no Sumaré (a
privilegiada residência do Cardeal) e adiante espetado por torres de rádio,
televisão e de telefonia, além de algumas favelas escorregando em suas
encostas. Até quando, diante de outros próximos sinais de construções?
Enfim, os dezesseis andares dos dois blocos confirmaram meus
temores, meu céu ficou menor...
Uma relíquia, porém, tentarei
guardar. Ao redor desta paisagem, tanto o amanhecer como o entardecer dos
meses de maio e junho, sempre foi espetáculo para os sentidos. Fiz a
filmagem destes horizontes hoje inexistentes, deixo-a como mensagem
histórica, unindo o prazer do belo olhar, de um lado, e da tristeza da
indiferente invasão do homem, de outro.
Minimizando,
ainda incentivei minha mulher: graças a sua paciência e sensibilidade, as
varandas estão sempre premiadas com plantas e flores. Pequeníssima vingança
íntima. Desde a infância cachoeirense meus espaços verdes e azuis vêm sendo
deglutidos pelos cinzas-amargos das edificações das cidades por onde passei,
ou vivi.
E nas férias busquei, sempre que possível, sob céus imensos
do nosso generoso país, os verdes e azuis das montanhas e das praias, para
revigorar acalantos à minha então descolorida e inconformada alma.
(RT, 23 de setembro/2011) CooJornal no 754.
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