De repente, resolvi. Escreverei alguma coisa sobre o
assunto, se possível sob a forma de um conto. Ele ficara sepultado na
agenda da memória de cinquenta anos atrás, lá no Cachoeiro de Itapemirim da
infância, principalmente na narrativa da velha parteira que, naquela tarde,
viera visitar a Dindinha, braço direito da minha mãe nos afazeres da casa.
Está na hora de resgatá-lo.
Curvado sobre a mesa
redonda da sala, fingia fazer meus deveres de casa, enquanto ela falava de
um trabalho que fizera, uma semana antes, num barraco humilde, lá pelos
lados do bairro Noventa. Lá, aquela mulher, Terezinha de nome, embarrigara,
peitos sensibilizados anunciavam gotas de leite, sentia a criança no
passeio abdominal, toda manhã vinham aqueles enjoos, os vômitos depois.
Tudo levava a crer, apesar da pequena barriga, num feliz parto. Mas, de
repente, o bebê se negou a aparecer e a atravessar o túnel da vida, chegou
a certeza de um alarme falso, do nada, desvanecendo as esperanças do casal,
acariciadas há anos! Da curiosidade sobre a história cheguei ao espanto,
quando a parteira acrescentou:
- Tô acostumada a muita coisa, mas
juro que vi com esses meus olhos que a terra há de comer... A luz que saiu
do corpo daquela dona e se elevou até o teto do barraco, parou lá em cima,
tinha o jeito de um bebezinho encolhido... Depois, foi sumindo, sumindo,
apagou-se. Não falei nisso com ninguém, nem com o pessoal lá do Terreiro.
Mas num guentei, você é a primeira a saber...
Claro que, mais tarde,
descobri que aquilo tinha nome, era a chamada gravidez psicológica. Mas, e
aquele fenômeno luminoso? Demorou mais tempo, muita leitura, muito papo...
na tentativa de compreendê-lo.
Bem, queria fazer o conto, fui em
busca de elementos pessoais e ambientais que o fizessem crédulo, casa da
minha irmã, médica aposentada, que tivera elogiada atuação na chefia da ala
pediátrica de um hospital estadual. O que sabia disse-me, mas me alertou
que, nos tempos atuais, a ultra-sonografia estava aí para acabar
previamente com o mistério. Sugeriu usar o meu provedor na busca do “sítio”
“Cadê?”, mas não me deixou ir sem perguntar:
- O que é que você
pretende revelar?
- Que existe bastante energia também no pensamento
de todos nós, principalmente quando uma preocupação está em mais de uma
cabeça. Quando é originário de uma crença, em especial a religiosa, ganha
muito poder, tem o nome de fé, possibilita milagres!
Então lhe
relembrei o caso da matrícula da nossa irmã ao tempo do curso primário de
um dos Grupos Escolares da cidade, o Graça Guárdia, quando a exigida
certidão de nascimento não fora encontrada. Essa irmã era carioca, mas
ninguém se recordava da localização do cartório onde se procedera ao
registro do seu nascimento. Minha avó, minha madrinha (irmã de mamãe) e
outros parentes moravam no Rio, se preocuparam e se mobilizaram todos. Em
Cachoeiro, mais diretamente, a mãe e Dindinha, nossa babá, esta, por sinal,
frequentadora de um Centro, eram as mais envolvidas diretamente. A situação
já estava se arrastando, quando, nos trabalhos da cozinha da casa da rua
Dom Fernando 163, Dindinha captou vultos na janela. Reconheceu-os, cabeças
e troncos recortados contra o retângulo de luz: - Ô “seu” Eugênio, ô “seu”
Mario, o que é que vocês estão fazendo aí? (Meu pai e meu avô, falecidos em
1947 e 1945, respectivamente).
- Escreva aí...- comunicou-se,
ordenando, a imagem do meu avô.
Ela pegou um toco de lápis e
escreveu na madeira da porta o tão desejado endereço do cartório, perto da
Praça da Bandeira, no Rio, na rua Joaquim Palhares.
Concluí:
- Você não acha, agora, que tanta gente pensando sobre um mesmo assunto
pode criar correntes de energia que nos tragam a solução desejada de um
problema? E no caso do parto, a tão desejada criança não teria sido prévia
e espiritualmente formada por essa força? Claro, ninguém percebeu, só a
parteira... Sem dúvida, uma médium... vidente!
Pensativa, minha irmã
não me disse nada, só relatou certos acasos e coincidências ocorridas no
seu viver profissional.
Bem, voltei à casa, naveguei no computador,
na busca de mais informações. Acreditem, muitos esclarecimentos sobre a
gravidez psicológica de animais! Do que sobrou, anotei detalhes para
construir o programado conto.
Foto de MXL
Ainda,
entendia, poucos detalhes faltavam para um conto bem mais convincente, como
eu gostaria. Aí, uma preguiça existencial se instalou nos meus sentidos, me
arrastou por duas semanas, a dúvida hoje me chega, o conto está perdendo
força, se nega a nascer, já estou oscilando na direção da... crônica. A
minha original criança literária está, assim, sendo toda concebida aqui
nestes teclados e neste papel, faltando escolher, apenas, a forma de adoção
quanto ao seu parto.
E, indeciso, temo entrar em gravidez
psicológica nesta criatividade, possivelmente arquivando ou rasgando, ao
final, este texto que teima em se intrometer e permanecer no meu mundo de
colecionador de palavras.
Um conto ou uma crônica? Eis a minha
crônica dúvida. Bem, vou pensar e, depois, eu... lhes conto!
(16 de setembro/2011) Rio Total,
CooJornal nº 753
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miltonxili@hotmail.com
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