09/04/2011
Ano 14 - Número 730
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"Amigo da Cultura"
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
SEMANA SANTA
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Altar mor, Igreja N.S.dos Passos, Cachoeiro, ES.
Foto MXL
O dia da Paixão, antigamente
Fins da década de 40, início da de 50, no dia sagrado, o exercício comportado do
silêncio nas vozes e nos gestos. Rádios emitindo sons só de músicas clássicas,
locutores garganteando sem emoções. Às crianças se cobrava a possibilidade de
menos algazarras; à mesa, menos alimentos, jejum e abstinência com ameaças de
pecado... Festas e comemorações adiadas. Não se varriam as casas. Parece, não
tenho certeza, que os homens até não se barbeavam... Nos altares das igrejas,
santos escondidos sob panos-vestes roxas. No ar, uma espécie de
silêncio-tristeza, a alegria era resguardada para as comemorações da Páscoa.
Famílias se orgulhando com seus meninos-apóstolos na cerimônia do lava-pés.
Imperdível era a “procissão do encontro”, lá em Cachoeiro de Itapemirim: sobre o
andor, a imagem do Nosso Senhor dos Passos saindo da então Matriz (rua Dom
Fernando - lado norte) e a de Nossa Senhora das Dores, da igreja de Santo
Antonio (no Guandu – lado Sul), e se encontrando na praça Jerônimo Monteiro
(centro da cidade), onde empolgados oradores sacros se revezavam no
palanque-púlpito. Nos cinemas da cidade, Central e Santo Antonio, as mesmíssimas
velhas cópias da “Vida de Cristo”...
Cristo dos teólogos, Cristo dos ateus
Qual dos dois melhor para retratar-nos o Cristo?
Em 1956, a Cia. Editora Nacional, coleção Biblioteca do Espírito Moderno, lançou
História de Cristo, do italiano Giovanni Papini, tradução do Pe. Lindolfo
Esteves, e com o “nihil obstat” de praxe. Cativou-me pelos esclarecimentos
prestados pelo Autor, leigo, ateu-convertido, já na sua Introdução: um livro sem
as melosidades da sacristia e sem o temível estardalhaço da pretensa literatura
científica, foge às características das “vidas de Jesus” destinadas aos devotos
e que exalam não sei quê de rançoso que esmaga, desde as primeiras páginas, o
leitor habituado a pratos mais delicados e substanciais; com um cheiro de vela
apagada, incenso resfriado a mau azeite, que corta a respiração...
Com 350 páginas, suaves de se ler, ao feitio de crônicas, alternando momentos
líricos e realistas, sempre calcados nos textos dos quatro evangelhos e, com
prudência, sobre os considerados apócrifos. E confessa, em determinado momento,
sua transição mística pessoal de ex-ateu, observando: quis evitar o cipoal da
erudição sem deter-se nos mistérios da teologia, aproximar-se do Cristo com um
coração simples e amoroso; que Jesus tem sido mais amado justamente pelos que o
detestavam. Às vezes, o ódio, na sua inconsciência, é um amor imperfeito: em
todo o caso é melhor noviciado de amor que a indiferença.
Por outro lado, no cinema, “O Evangelho segundo São Mateus”, filmado, com atores
desconhecidos, pelo também italiano Píer Paolo Passolini, conhecido como ateu,
“comunista” e dono de comportamento existencial independente, nos trouxe a
imagem de um Cristo realista e consciente líder, sem abdicar dos seus momentos
divinos. Impressionou-me a cena da sua ira extravasada sobre os vendilhões do
templo. Bem, por preconceito ou não, ou mesmo razões de mercado, o filme não é
lembrado para exibição na Semana Santa, tanto nos cinemas quanto nas tevês. Duas
vezes escrevi para duas emissoras a respeito, sem retorno. “Santa” ingenuidade
minha!
Em conclusão, enquanto os teólogos se encontram, em princípio, com raras
exceções, dentro de um “sistema dogmático”, os ex-ateus, por seu trabalhado e
antigo espírito crítico, podem nos moldar um Cristo “sem as melosidades da
sacristia”.
A terceira e moderna via
Vejamos, enfim, o que pode fazer um livro pelo bem da comunidade, seja cristã ou
não, como o do psiquiatra, psicoterapeuta, cientista e escritor Augusto Jorge
Cury, ao participar da coleção “Análise da inteligência de Cristo”, com a obra O
Mestre do Amor. Numa impressionante manobra didática, pinça as emoções
possivelmente vividas pelo Cristo nos seus últimos passos e momentos, as reações
criadas por sua inteligência para resolver seus estados de angústia e trazendo
as soluções para aplicação no dia-a-dia do leitor em busca da sobrevivência
existencial. Um livro que, pelo título, poderia se acreditar “carola”, se
transforma milagrosamente num manancial de aconselhamentos de auto-ajuda,
extraídos também da vivência profissional do Autor. Algumas passagens: “Bilhões
de pessoas admiram profundamente Jesus Cristo, mesmo os budistas e os islamitas.
Contudo as pessoas querem um Cristo nos céus, mas não percebem que ele amava ser
reconhecido como filho do homem.” (62); “Precisamos honrar solenemente o
espetáculo da vida”,(65); “Só o amor pode fazer com que tenhamos atos
inesquecíveis” (135); “Nenhum ser humano passa pela vida sem negar ou afirmar a
existência de Deus. Ou ele o nega ou ele o procura, ninguém passa incólume”.
Boa Páscoa!
(09 de abril/2011)
CooJornal
no 730
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta RJ
miltonxili@gmail.com
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