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Grande enchente - 1937 |
Praça Gil Goulart - 1956 |
Inundação da Rua 25 de março - 1979 |
(Fotos cedidas pela escritora
cachoeirense Isaura Theodoro)
– Chove muito lá pras bandas de
Castelo! – anunciou um viajante. E outro: – As estradas estão horríveis,
verdadeiros atoleiros! Mais um: – Vi muito deslizamento de terras, pastos
alagados, casas derrubadas, gente sumida...
Todos comentavam a
insistência daquelas pesadas gotas celestiais sobre seus corpos. O verão, em
princípio, viera abrasador, dias e mais dias de sol causticante, secara
muita terra, estragara muita colheita. Pragas rogadas e preces choradas
galgaram o espaço, e agora, Pedro, o santo padroeiro da cidade, depois de
muito pensar, resolveu fazer uma faxina lá nos seus domínios. Consequência:
aquela tragédia líquida! Ninguém se conformava. Aliás, sempre reclamavam, se
fizesse tempo de sol ou nublado, de calor ou frio.
Pior de tudo não
era isso, era a forma como a chuva se apresentava. Não era daquela do tipo
momentânea, de futuro enigmático quanto ao seu retorno. Era, fina ou grossa,
interminável. Acordava-se, estudava-se, trabalhava-se e dormia-se com sua
presença. Enjoada mesmo! Cercada de morros, as ruas da cidade recebiam
constantemente suas lamas e detritos que a todos atrapalhavam.
Então,
os olhos de todos se fixaram no Itapemirim. Já inexistia aquele leito de
pedras, lagoas e ilhas de tantas brincadeiras e pescarias. A água barrenta
desrespeitava tudo, beijava raivosamente as pilastras das casas debruçadas
às margens. Era tudo dela. Arrancava terras, vergava árvores, deixando-lhes
raízes à mostra. Alguns animais, impotentes, eram arrastados pela forte
corrente para o meio do rio, desapareciam para sempre. E a chover, a chover,
a chover...
Novas notícias, novos medos: – Caiu uma tromba d’água lá
pros lados de Alegre!... O bairro Independência virou Amazonas!... No do
Guandu, só se passa de canoa! A piscina do Liceu transbordou! Suspenderam as
aulas! Morreu um rapaz lá em Bahiminas! O rio poético se torna traiçoeiro,
cresce, domina, vem rever e reaver o espaço das ruas que outrora fora seu
domínio. Não sossega, desaloja famílias, inutiliza esforços dos que tentam
salvar bens seus, de outros, e da comunidade. Os homens, em determinado
momento, já não circulam, torcem pela esperança de mais claridade no céu, ou
mesmo de um fraco sol entre nuvens, rezam até, e depois, esperam, somente
esperam. Alguns ainda brincam de otimismo:
–Vamos a um cinema?
– Que cinema? Só se for de barco!
– Então, vamos ver o campeonato
da turma do remo que o Yole Club vai fazer!
– E ver também o pessoal
que está saltando da ponte velha!
Indiferente, o rio rasga o coração
de Cachoeiro, vai em busca do mar final, atropelando ainda outros lugares.
Súbito, também um barquinho de papel-jornal rodopia, vira e submerge dentro
da sua fúria, e os olhos do menino sentado cautelosamente à margem, no fundo
do quintal da casa, se despedem do seu sonho.
(12 de março/2011)
RT,
CooJornal nº 726
Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email
miltonxili@hotmail.com
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