26/02/2011
Ano 14 - Número 724


 

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"Amigo da Cultura"






ARQUIVO
MILTON XIMENES

 

Milton Ximenes Lima



ENTRE CONFETES E SERPENTINAS

 

Milton Ximenes, colunista - CooJornal





Foto MXL

“- Não é bom da cabeça, ou é doente do pé” - não se precipite, Sargentelli. Cada brasileiro tem sua especial identidade, maior ou menor, com o samba. Bom sujeito sempre é, mas não é obrigado a seguir o bloco musical dos outros.

No Cachoeiro da década de quarenta, o Carnaval chegava, primeiro, pelos sons dos rádios dos vizinhos. A partir de agosto ou setembro, sambas e marchas perseguiam nossos ouvidos, e, de tão repetidos, aprendidos. Entendemos, depois. Era a briga dos compositores e cantores pelas premiações de melhor música e melhor interpretação. No Rio, em sonhadas férias, observávamos que a disputa continuava nos cinemas que abriam suas telas, a partir de janeiro, para o filme nacional de tramas cômicas e românticas, repletas de interrupções para que os mesmos cantores dessem seu carnavalesco recado.

Na infância, não interagíamos com as agitações da data, não tínhamos condições familiares para associar-nos a clubes e grupos. Assistíamos a tudo, só que com medo dos mascarados encaveirados. Só me lembro de uma exceção, eu e minhas irmãs, disfarçados sob longos panos brancos, e inocentemente perguntando, nas ruas, a conhecidos e parentes quem nós éramos. Eles fingiam dificuldades em nos reconhecer, e riam disfarçadamente para a nossa conhecidíssima babá, que, de uma certa distância, nos vigiava.

No mais, era acompanhar a passagem dos blocos e carros alegóricos que se dirigiam à praça principal da cidade. Acreditamos até que, se nosso pai não falecesse tão cedo, outros ventos de animação chegariam às nossas veias, pois uma fofoca familiar nos recordou que certa vez a mãe, ainda noiva, flagrou o pai na alegria saltitante de um bloco no centro da cidade. E outros me revelaram que, excelente desenhista, ele ainda desenvolvia seus talentos artísticos confeccionando máscaras e concebendo cenários das peças teatrais montadas por seus conterrâneos.

Na adolescência, começamos a aderir às pulações e sacolejos momescos porque os jovens assim o faziam, era época dos grupos, das namoradinhas. Salões de grêmios estudantis, de um lado, e, de outro, oportunidades amigas nos salões dos clubes. Então, o hábito de curtir o carnaval foi um aprendizado que chegou no momento próprio, não veio de espontâneo berço. Na fase adulta, mais “liberdade, para que te quero” nas escolhas de cada um, sozinhos ou juntamente com as famílias.

Sempre fugi das músicas de altos e agitados sons, elas não permitem escolhas para suas aceitação e adesão, são somente imediatas agitadoras de corpos simplesmente disponíveis. Entendo que cada um deve cultivar a música que lhe apetece o coração. Nada de preconceitos quanto às opções dos nossos semelhantes. Cada um reage musicalmente conforme seus momentos, seus sentimentos e suas vivências. Para mim, nada mais aconchegante do que a lembrança daqueles ternos abraços, aqueles olhares e gestos carinhosos, aquelas palavras afetuosas, e os pés se escravizando e oscilando no baile, ao embalo suave das melodias dos boleros, “foxes”, sambas-canções de tantas mensagens poéticas. Até um sambinha era bem vindo... E que hoje, se renovados, estão ameaçados pelos casais adeptos da chamada dança de salão, de bonita coreografia, mas que precisa de espaços do salão para exibirem suas vaidosas evoluções. Aí, sobra pra quem, hein?

Me despeço aqui, meu já celestial Sargentelli, mas lhe garanto, com muito respeito, que, à maneira minha, bom sujeito eu sou e serei. Você precisava me ver, menino ainda, abraçado à minha gordinha avó, que alegre me conduzia para dançar, num espaço tão pequeno da sala da casa, valsas e mais valsas que certamente lhe traziam gratas recordações.

Parece que gostei, foi a semente, o início das minhas tentativas de eterno aprendiz de dançarino.


(26 de fevereiro/2011)
CooJornal no 724


Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

miltonxili@gmail.com

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