09/02/2011 Ano 14 - Nº 723
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
TIJOLOS NA CONSTRUÇÃO
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A mulher acabara a limpeza dos jardins e agora partia
para os vasos pendurados. Num deles, solitária planta, caule único, fino e
comprido, repleto de minúsculas folhas. Verde tudo, só verde, nenhuma flor em
quase dois meses. Pedia muita água, senão murchava.
– Que planta é essa? –
intrometeu-se.
– Mato, puro mato, já vou arrancá-la – ameaçou ela.
–
Deixe ela aí, mulher, a gente nem sabe direito o que é!
– Só se você tratar
dela...
–
Pode ser. Ela nem dá trabalho, só pede um pouquinho d’água pela
manhã e à tardinha...
Um dia, ou mais precisamente, uma tarde, visita
de uma amiga da mulher, que se surpreendeu ao perceber o vaso com aquela
plantinha tão só, contrastando com outras em vasos próximos, recheadas de
pequenas flores.
Aproximou-se, a pergunta saiu:
– Onde você arranjou essa
muda?
– Não arranjei, apareceu...
– e esticando o beiço inferior na direção
do marido, sentado na varanda, olhos sob jornais, mas ouvidos atentos – é o
xodó dele. Ele acha que se ela já está aí, é esperar para saber que bicho vai
dar. Por mim, dava um fim. É mato...
– Criatura de Deus!
– exaltou-se a
amiga
– Se não me engano, essas folhinhas são ótimas para problemas de pele.
Vou levar umas amostras, depois lhe telefono para confirmar...
Meio
escondido, o marido sorriu timidamente, mas olhos bem alegres. Na sua vida,
atos precipitados não tinham acolhida, não custava nada cultivar paciências.
Lembrou-se do grupo de peladas da sua meninice. Havia o Elizeuzinho, ruim de
bola, perdia gols à beça no ataque, furava na defesa, lento nas disputas, a
turma já estava armando uma para nunca mais vê-lo ali. Ficou com pena, largou
a sugestão ao grupo:
–
Mandem ele ficar socado ali na faixa do meio do
campo. Quando a bola vier, chutá-la para a frente de qualquer maneira, fazer
tudo para não deixar ela ir para a defesa. E ele, chutando para frente, não
assusta a defesa e, quem sabe, pode sair um inesperado passe, um centro, ou um
gol de longe!
Ficou assim combinado, ninguém saiu chateado.
Tempos mais tarde, trabalhando numa repartição, situação parecida: o colega
irrequieto, conversador, distraído, pouca produção, contas erradas, estava a
caminho de ser colocado à disposição da área de recursos humanos, que o
transferiria para outro local, talvez bem longe do centro da cidade.
Aproximou-se do chefe, com quem tinha intimidade-antiguidade, eram do mesmo
concurso:
–
Chefe, a seção não pode perder funcionário assim tão fácil, tá
todo mundo precisando de mais um. Não dá para fazer um rodízio de tarefas para
ele?
Acertaram. O homem era outro. Deram-lhe incumbências em que tinha
que se deslocar para outras unidades de trabalho, ou fora do prédio. Ele se
sentiu importante, naqueles momentos, papéis sob as axilas, era o
representante oficial do seu chefe, conhecia outras pessoas importantes,
conversava com elas, trazia notícias-novidades administrativas para os
colegas, trombeteava acontecimentos da rua, e prestava contas direitinho...
Tijolos, somos todos tijolos na construção do mundo, gente. O importante é
descobrir em que e como poderemos cooperar.
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miltonxili@hotmail.com
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
miltonxili@gmail.com
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