16/10/2010
Ano 14 - Número 706
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
OS PEQUENINOS – CRIANÇAS E CRI-ONÇAS (II)
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ONZE
Escola primária, aula de matemática. A professora sugere e força a solução: O
Joãozinho já tem três bolas e vai ganhar mais duas. Agora, ele vai ficar com...
com? com?... Lá atrás, uma vozinha cresce, e completa: - Com...TENTE!
DOZE
Novamente, as sombras. Na caminhada para o Maracanã (RJ), assisto, na calçada do
posto de gasolina da esquina de Maxwell com Felipe Camarão, a brincadeira do pai
com o filho, ambos risonhos no descontraido passeio dominical. O pai pára de
andar, dá um estratégico recuo de corpo e aponta para as sombras dos dois
projetadas paralelamente na calçada: -Veja, meu filho, veja! Você já está da
altura do papai! O menino ri abertamente, uma risada própria de uma infância
feliz em que a verdade do pai é também a sua, daquele pai que lhe segura
firmemente a mão e o leva para frente, soberano, convidando-o a atravessar a
esplêndida manhã de sol daquele dia de outubro.
TREZE
Correspondência interestadual entre duas comadres, publicada em jornal do Rio:
“Cátia está agora na aula de catecismo. Ela e Marcos vão comigo à missa de 7,30
horas na igreja de Nossa Senhora das Graças e, logo após, é o catecismo. No
primeiro dia a professora ensinou a fazer o “sinal da cruz” (ela já sabia) e
explicou que “Deus manda fazer uma cruzinha na testa que é para tirar todos os
maus pensamentos das cabecinhas das crianças. Depois, uma cruzinha na boca que é
para tirar todas as más palavras e xingamentos das boquinhas delas. E, por fim,
uma cruzinha no peito que é para tirar as mágoas e as raivas dos corações das
crianças”. Ela logo perguntou o que que era mágoa e porque o coração da criança
tem raiva... A professora explicou que, “de vez em quando, a mãe tem que dar
castigo aos filhos desobedientes e até mesmo dar umas palmadas, e, quando isto
acontece, a criança que apanhou geralmente fica com raiva e pensa em teimar e
fazer malcriações piores”. Então, quando chegamos em casa, ela contou tudo
direitinho para o pai dela e não deixou de concluir: “a professora falou muito
bem, mas se esqueceu uma coisa. Ensinar a gente a fazer uma cruzinha na bundinha
que é para tirar a dor que a gente sente quando ganha umas palmadas da mamãe”.
QUATORZE
De todos os lados os novos alunos pediam sua atenção na sala de aula:
-D. Grória! D. Grória!...
Fabricou um silêncio e observou, em voz lenta:
- Eu acho que vocês têm duas professoras... Eu me chamo D. G-l-ó-r-i-a e a
outra, D. G-r-ó-r-i-a....
Em seguida, tentando aperfeiçoá-los, repetiu muitas vezes a pronúncia do GL, até
considerá-los devidamente treinados. No fim da aula, uma das miúdas se aproximou
e apontando para o vasinho sobre a mesa, pediu:
-D. Glllóóória, D. Glllóóória, (graças!), a senhora pode dar pra mim aquela frô
daquela pranta?
(Turma da minha mulher, Escola Friedenreich, Maracanã, RJ)
QUINZE
Diálogo entre um analista e uma criança, menino esquizofrênico, com idade física
de 9 anos e idade mental de 4 anos.
- O passado é longe? – pergunta ele.
- Sim, o passado é longe – repete o médico.
-O que vem depois do passado? – insiste o pequeno.
O analista emudece e o garoto, como num súbito “achado”, desafia:
- Não sabe, hein, seu bobo?...O que vem depois é o infinito!
Noutra ocasião, ao sair do cinema, a mãe lhe falava do enredo do filme:
- Viu, meu filho? Daqui a alguns anos os homens poderão ir à lua.!
-Mas ao sol eles não poderão ir, mamãe, porque o sol vem até nós!... – finalizou
a criança.
DEZESSEIS
Tendo visto o padre usando, pela primeira vez, a roupa do terno “clergy-man”,
liberada pelo então recente Concílio, o menino confessou à mãe:
-Quase não conheci o padre Alberto, ele estava vestido de homem!
DEZESSETE
Todas as vezes que tem uma folga no seu trabalho no escritório, o homem,
certificando-se de que não é visto, se embevece com os aviõezinhos de papel que
lança do 17º andar ao espaço. Talvez aí compensasse, como lhe atentei, a
não-entrada para a Aeronáutica, seu sonho, quando, por defeito físico, não foi
aceito. Aproveitou então o assunto dizendo-me que, por causa do hábito,
surpreendeu o filho em conversa com companheiros de brincadeiras:
Quando eu crescer, quero ser advogado! A gente passa a tarde toda jogando
aviõezinhos pela janela!
Raciocínio de criança diante da visita que fizera ao pai, certa tarde, no
escritório...
DEZOITO
Estou no velho hábito de parada em uma livraria: a extinta Freitas Bastos (RJ).
Puxam-me o paletó, descubro e me comovo com a menina de rua, que me pede uma
atenção e não, uma esmola:- Moço, moço, me compra um livro de história pra mim?
DEZENOVE
À porta da loja, na rua Uruguaiana, centro do Rio, o garoto, mulatinho, se
alegra e sonha com o desenho animado da TV. Um “cascudo” atinge sua cabeça, o
faz voltar para as palavras da (possivelmente) mãe: - Sai daí, vagabundo, venha
pra cá pedir dinheiro!
VINTE
Menino, possivelmente entediado, para o pai, na longa viagem de carro: - Se a
gente dormir, a gente chega em casa mais depressa?
(16 de outubro/2010)
CooJornal
no 706
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta RJ
miltonxili@gmail.com
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