09/10/2010
Ano 14 - Número 705
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
OS PEQUENINOS – CRIANÇAS E CRI-ONÇAS (I)
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UMA
Casal em separação. Ele fica no norte, para se desfazer dos bens lá adquiridos,
ela retorna ao Rio com as quatro crianças, em idade escolar. Uma tarde, ela
freqüenta amigos que então projetam filme da visita/viagem que fizeram ao casal,
bem antes da desenlace. Súbito, o menor dos filhos, cinco anos, vibra com o
aparecimento da figura do pai na tela e o convida, entusiasmado: - Vem pra cá,
papai...Vem pra cá! (Angústias de adultos ficam no ar).
DUAS
Na pequena praça, não tendo mais freguês, o garoto passava, entusiasmado, a
escova de engraxate nas botas da estátua do sentado imperador D. Pedro II.
Lamentei profundamente não ter à mão minha máquina fotográfica, companheira de
muitas paisagens e momentos agradáveis. Não pude, assim, “ilustrar” aquele
“histórico lustro”. (Petrópolis, 25.07.1987).
TRÊS
Não me esqueço da primeira criança que vi não reagir às brincadeiras e festejos
de adultos. Em São Lourenço, MG. Pai e mãe casados em idade bem avançada, ele,
homem costumeiramente sério, ela, de poucas palavras, talvez problemática filha
de ex-combatente. Super-protetora, preocupada sempre, no ambiente já escuro da
casa, em fechar as janelas para que o menino não “apanhasse vento”. Ficou no ar
a imagem do bebê que não teve o aprendizado do sorrir, talvez porque os pais não
lhe transmitissem uma alegria que, presumi, já lhes era perdida. A criança
apenas se deixava tocar, e nada mais. Até quando?
QUATRO
A mãe deu (vou atualizar a moeda) dois reais para a menina colocar na sacolinha
de óbolos do ofertório da missa. Estranhou depois quando, de volta para casa,
percebeu ainda uma das moedas na mão da filha, que, então, se justificou:- É pra
comprar minha jujuba!
CINCO
Na rua Teresa, em Petrópolis, paro defronte a uma loja para apreciar a reação de
uma criança. Ela, de repente, tomou consciência da sua própria sombra na calçada
e pôs-se a com ela brincar, movimentando-se para lá e para cá, possivelmente
vigiando se sua nova imagem escura imitava tudo o que fazia com seu corpo. E
ria, feliz com a sua descoberta!
SEIS
Vindo, não sei de onde, arrastado em cordas por um homem, o bezerro pisa as
calçadas musicais da movimentada Avenida 28 de Setembro, quase na esquina com a
rua Hipólito da Costa, em Vila Isabel (RJ). A criança o vê, balança e estica o
braço do avô e explica para ele: - Vovô, vovô, olha só que cachorrão! (Rio,
1988)
SETE
Aluna da minha mulher, sete anos, revelando seu sonho: - Quando eu crescer,
quero ser é capa de “Plêibói” !
OITO
Temos um primo metido à besta – me conta a jovem senhora – cheio de poses, só
vendo. Nas horas vagas pinta ou borra seus quadros, sei lá... Na mesma sala em
que ele se entrega às pinceladas trabalha a mulher dele numa máquina de costura.
Um dia apareceu freguesa dela, arrastando irrequieto menino que logo se insinuou
entre as pinturas e voltou com um quadro na mão. Logo a mãe o advertiu e se
aproveitou para exibir o pouco que sabia sobre o mundo da pintura: - Filho,
filho, vá colocar isto onde você achou. Não mexa neste experimentador de tintas
do “seu” Paulo! O sorriso da dona da casa ficou abafado, contido, esperando
apenas que aquela mulher e seu filho dali se afastassem. Aquela peça jamais
fora um experimentador de tintas, aquela peça era um autêntico “abstrato”, no
qual, como sempre, as cores neuroticamente se mesclavam em danças sem ordem e
sem destino.
NOVE
Garoto, sobrinho brasiliense de um colega de trabalho, estava passando uns dias
no Rio. Antes de visitar um dos tios, a mãe lhe fez ligeira e oportuna
advertência sobre um feio habito dele: - Filho, vamos hoje na casa do tio F. e
da tia F., não vá fazer a gente passar vergonha com sua mania de dizer
palavrões, heim! Muito quietinho! Realmente, tudo aconteceu sem excessos. Longe
dali, o menino fez questão de, alegre, valorizar seu comportamento: - Viu, mãe?
Passamos tanto tempo lá e eu não disse isso, eu não disse aquilo, nem... Como
num desabafo, descarregou toda sua cultura, toda sua enciclopédica pornográfica.
DEZ
No catecismo da Basílica de N.S. de Lourdes, em Vila Isabel, RJ, a professora
falava sobre a Sagrada Família e sobre a profissão de S. José, carpinteiro.
Finda a explanação, fazia o retrospecto, avaliando a turma em forma de
perguntas. Numa delas, se espantou: - Menina, me diga o que S.José fazia? E a
garota, apressada em mostrar seu saber: - Comia CARpim!
(09 de outubro/2010)
CooJornal
no 705
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta RJ
miltonxili@gmail.com
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