18/09/2010
Ano 14 - Número 702
ARQUIVO
MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
PRIMAVERA LÚCIDA
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Que é uma primavera lúcida?
Neste mundo, agora, de indecisas estações do ano que se interpenetram,
desorientando os homens das cidades e dos campos, a presença de uma primavera
“lúcida” há muito estava ausente dos meus sentidos. Aquela primavera a que
estávamos acostumados, desde a infância, com datados períodos típicos na sua
duração. Verdade é que já estamos nos acostumando a estranhamente recepcionar a
chegada da primavera através das notícias e reportagens dos jornais e
televisões. A cidade-cimento e neurótica nos esmaga e nos veda qualquer audácia
na busca do convívio com a floresta-além, tão próxima. No máximo, os matagais
conseguem sobreviver, fugir do cerco das construções, e, lá dos morros,
timidamente, com a ajuda da brisa, nos acenar com suas verdes e renovadas
vestimentas.
E fugindo disto, aqui, neste momento todo meu, os canteiros da minha
casa-refúgio fora do Rio, em Maricá, me oferecem o deslumbramento do colorido
múltiplo das suas flores. Não as compro, tenho-as, minha mulher as cultiva e as
es(colhe) para embelezarem a sala.
Além do mais, os próprios pardais e rolinhas, e pássaros outros, ariscos, que
disputam migalhas de pão e farelos que lhes abandonamos, que se banham na tigela
de barro, parecem impregnados de uma alegre inquietude. Os insetos, mais
prolíferos, e as borboletas tentam pincelar os espaços do quintal com seus vôos
e pousos irregulares.
Para onde olhemos, é nítida a sensação do bailado da primavera. Nas estradas, os
flamboaians começam a debruçar seus galhos sobre os acostamentos, ou, mais
afastados, fazem charme vaidoso para os ipês.
Tudo conspira para repensarmos a vida, nesta renovação da natureza e de nós
mesmos. Eis aí o verdadeiro significado do milagre da primavera “lúcida”:
primeiro a sentimos no ar. Depois, a percebemos nas paisagens, assimilamos sua
beleza, captamos a energia da sua permanência, para, enfim, apesar de tudo,
acreditar em dias ciclicamente melhores para todos nós.
Primavera, nos campos e nas montanhas, visualizaremos anualmente. Primaveras,
nas cidades, onde estamos mais distraídos com a própria sobrevivência, serão
mais difíceis de se notar. Só quando associadas à contemplação interior de novas
idéias, emoções e sentimentos, que venham apascentar e enfeitar nossos caminhos
do existir.
(18 de setembro/2010)
CooJornal
no 702
Milton Ximenes é cronista, contista e poeta RJ
miltonxili@gmail.com
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