Milton Ximenes Lima
ENTRE CONFETES E SERPENTINAS
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Foto MXL
“- Não é bom da cabeça, ou é doente do pé”
- não se precipite, Sargentelli. Cada brasileiro tem sua especial identidade,
maior ou menor, com o samba. Bom sujeito sempre é, mas não é obrigado a seguir
o bloco musical dos outros.
No Cachoeiro da década de quarenta, o
Carnaval chegava, primeiro, pelos sons dos rádios dos vizinhos. A partir de
agosto ou setembro, sambas e marchas perseguiam nossos ouvidos, e, de tão
repetidos, aprendidos. Entendemos, depois. Era a briga dos compositores e
cantores pelas premiações de melhor música e melhor interpretação. No Rio, em
sonhadas férias, observávamos que a disputa continuava nos cinemas que abriam
suas telas, a partir de janeiro, para o filme nacional de tramas cômicas e
românticas, repletas de interrupções para que os mesmos cantores dessem seu
carnavalesco recado.
Na infância, não interagíamos com as agitações da
data, não tínhamos condições familiares para associar-nos a clubes e grupos.
Assistíamos a tudo, só que com medo dos mascarados encaveirados. Só me lembro
de uma exceção, eu e minhas irmãs, disfarçados sob longos panos brancos, e
inocentemente perguntando, nas ruas, a conhecidos e parentes quem nós éramos.
Eles fingiam dificuldades em nos reconhecer, e riam disfarçadamente para a
nossa conhecidíssima babá, que, de uma certa distância, nos vigiava.
No
mais, era acompanhar a passagem dos blocos e carros alegóricos que se dirigiam
à praça principal da cidade. Acreditamos até que, se nosso pai não falecesse
tão cedo, outros ventos de animação chegariam às nossas veias, pois uma fofoca
familiar nos recordou que certa vez a mãe, ainda noiva, flagrou o pai na
alegria saltitante de um bloco no centro da cidade. E outros me revelaram que,
excelente desenhista, ele ainda desenvolvia seus talentos artísticos
confeccionando máscaras e concebendo cenários das peças teatrais montadas por
seus conterrâneos.
Na adolescência, começamos a aderir às pulações e
sacolejos momescos porque os jovens assim o faziam, era época dos grupos, das
namoradinhas. Salões de grêmios estudantis, de um lado, e, de outro,
oportunidades amigas nos salões dos clubes. Então, o hábito de curtir o
carnaval foi um aprendizado que chegou no momento próprio, não veio de
espontâneo berço. Na fase adulta, mais “liberdade, para que te quero” nas
escolhas de cada um, sozinhos ou juntamente com as famílias.
Sempre
fugi das músicas de altos e agitados sons, elas não permitem escolhas para
suas aceitação e adesão, são somente imediatas agitadoras de corpos
simplesmente disponíveis. Entendo que cada um deve cultivar a música que lhe
apetece o coração. Nada de preconceitos quanto às opções dos nossos
semelhantes. Cada um reage musicalmente conforme seus momentos, seus
sentimentos e suas vivências. Para mim, nada mais aconchegante do que a
lembrança daqueles ternos abraços, aqueles olhares e gestos carinhosos,
aquelas palavras afetuosas, e os pés se escravizando e oscilando no baile, ao
embalo suave das melodias dos boleros, “foxes”, sambas-canções de tantas
mensagens poéticas. Até um sambinha era bem vindo... E que hoje, se renovados,
estão ameaçados pelos casais adeptos da chamada dança de salão, de bonita
coreografia, mas que precisa de espaços do salão para exibirem suas vaidosas
evoluções. Aí, sobra pra quem, hein?
Me despeço aqui, meu já celestial
Sargentelli, mas lhe garanto, com muito respeito, que, à maneira minha, bom
sujeito eu sou e serei. Você precisava me ver, menino ainda, abraçado à minha
gordinha avó, que alegre me conduzia para dançar, num espaço tão pequeno da
sala da casa, valsas e mais valsas que certamente lhe traziam gratas
recordações.
Parece que gostei, foi a semente, o início das minhas
tentativas de eterno aprendiz de dançarino.
(RT, 26 de fevereiro/2011 - CooJornal nº 724)

Milton Ximenes é cronista, contista e poeta RJ
miltonxili@gmail.com
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