16/05/2024
Ano 27
Número 1.369








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Lilian Maial


 

Lilian Maial

 
AS MÃES QUE ENVELHECEM


Acabei de ler um texto de António Lobo Antunes sobre sua mãe de 93 anos, quase cega e surda, mas com vivacidade e memória impressionantes. Um texto muito bonito.

Me peguei a pensar que estou caminhando para essa situação e não consigo entender exatamente o sentimento dos filhos, como eles veem a mãe, quando ela vai envelhecendo.

Hoje, ainda bem mais nova do que a senhora em questão, já noto uma certa confusão nos sentimentos dos meus filhos. Acredito que eu não faça nenhuma confusão em relação a eles, a não ser o fato de continuar vendo-os crianças e, até certo ponto, dependentes, apesar de já serem adultos e eu ter plena consciência disso.

Outro dia, subitamente, puxei meu filho mais velho, que é o pai dos meus netos, e quem eu não via já por algum tempo, para o meu colo, para colocar a cabeça no meu ombro, e fiz uma afago, um cafuné. Sutilmente, ele se desvencilhou e foi resolver algum assunto. Na hora, aquilo me causou um certo mal estar, me machucou um pouquinho, mas, depois, compreendi que, talvez, fosse uma carência minha e não dele, e que, pelo fato de já ser adulto e pai de filhos já crescidos, não se sentisse muito à vontade com esse carinho.

Não sei em que momento os filhos julgam que os pais não precisam de contato físico, ou que isso não seria correto. Ao contrário, quanto mais velhos ficamos, mais necessitamos de pele. Com o passar dos anos, as limitações impostas pela saúde (ou falta dela), nos levam a evitar tudo o que, antes, nos dava prazer, como, por exemplo: comer doces, salgadinhos, andar na chuva, correr de bicicleta, brincar de pique-pega, ou subir em árvores, para comer os frutos do pé. Creio que um dos poucos prazeres que nos sobram sejam justamente os prazeres do contato físico. Um beijo, um abraço, um cafuné são tudo o que a mãe precisa de um filho. Não há necessidade de presentes, não há necessidade de palavras doces. Nada substitui um abraço bem apertado ou um beijo bem estalado.

Na verdade, não escrevo para os meus especificamente, mas para que todos os filhos compreendam que o amor de mãe nunca envelhece. Ele é sapeca, é jovem, intenso, nunca esmorece com o tempo. Para as mães, os filhos serão sempre aquelas mesmas crianças que pediam colo à menor ameaça. E quantas ameaças as mães enxergam em cada esquina? E quanto tempo ainda temos para proteger nossas crias?

Sim, ainda lembramos o peso dos filhos ao nascer, suas primeiras palavras, seus primeiros passos, os primeiros dias na escolinha, os primeiros medos, as primeiras vitórias. Por conta de tantas lembranças, não sofremos de solidão. Mas estamos sós.

Então, aquele telefonema inesperado, aquele beijo diferente e bem estalado, aquele abraço apertado, trazem um bem-estar, uma paz, um bálsamo para qualquer sintoma. Aquele abraço bem juntinho para tirar uma foto só nossa, mesmo que não vá para nenhum porta-retratos.

Neste momento, me veio à mente a alegria de minha mãe, quando eu chegava de surpresa, levando seu pão doce preferido, para um lanchinho à tarde, acompanhado de um abraço apertado, um beijo e uma fungada no pescoço, sempre perfumado. É a mesma sensação de quando eu via meus filhos nas festinhas de Dia das Mães, na escolinha, e ganhava aquelas lembrancinhas impagáveis, com os nomes deles escritos nas peças, fosse qual fosse, com suas letrinhas de criança, dizendo: “eu te amo, mamãe”. Eram sessões lacrimogêneas, que eu frequentava de óculos escuros, já sabendo da cascata iminente a rolar pelo rosto.

Compreendi que essas sensações não mudam, não envelhecem. Continuamos as mesmas mães dos 20 ou 30 anos aos 50, 60, 70, 100 anos! Creio que, por isso, nossos filhos permaneçam crianças, mesmo depois de pais ou, até mesmo, avós.

Gostamos de sentir o cheirinho de cada cangotinho, de receber e dar o aconchego do colo, de ter contato com a pele dos filhos.

Não se trata de querer parar o tempo. A velhice chega para todos, exceto para o amor de mãe.



Lilian Maial
médica, escritora, poeta
RJ



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