Lilian Maial
CONTRATO DE RISCO
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Antes de começar, devo esclarecer que não há vínculo desse texto
com nenhum tipo de credo ou filosofia específica. Apenas divagações de
uma manhã ensolarada de primavera...
Tem dias, como hoje, em que
eu questiono a liberdade. Acredito que todo mundo já tenha tido essa
experiência de não se saber livre.
Ninguém é totalmente livre.
Sempre se está preso a alguém ou alguma coisa.
Fiquei aqui de
prosa com meus botões, de como seria se tivesse uma segunda chance. Tipo
nascer de novo e poder escolher novamente meus caminhos. Não que me
arrependa dos que escolhi, mas simplesmente a curiosidade de saber se
conseguiria me tornar livre.
Mesmo que eu recomeçasse com tudo o
que sei hoje, será que poderia ser livre? Talvez não caísse nas mesmas
teias, fugisse das garras já conhecidas, ou dos dentes vorazes dos quais
hoje não consigo me desvencilhar. Contudo, certamente cairia em novos
labirintos, outras armadilhas, atada por outras cordas.
Às vezes
tenho a impressão de que passamos a vida como andarilhos de campos
minados, agradecendo a cada bomba não detonada, a cada passo seguro ou,
pelo menos, sem seqüelas. E o outro lado nunca chega. Está ali,
aparentemente tão pertinho, no entanto, leva-se a vida para alcançá-lo.
Tenho cá minhas dúvidas se um dia atingirei a outra margem.
Todas
as ocasiões em que observo a minha existência em linha reta, do nascer
ao morrer, e me vejo além da metade do traço, aumenta essa aflição, como
que uma obrigação a cumprir, uma tarefa ou missão, algo por aí. Como se
fora um objetivo ou meta a atingir. Como se, para morrer, fosse
necessário antes realizar alguma coisa que não nos foi revelado na
chegada. Assinamos um contrato e vamos lendo as cláusulas ao longo do
caminho.
Peraí, mas onde está escrito isso? Onde está o manual?
Onde estão os tópicos, do tipo: "Da Felicidade", "Das Dores", "Das
Lágrimas", "Da Solidão", "Dos Desencontros"?
Não! Não há!
Em qualquer contrato, até mesmo de aluguel, por mais simples que seja,
se encontra os ítens: "Das mensalidades", "Das multas", Das Obrigações
do Locatário", "Dos Direitos", etc.
E a vida, não é um contrato?
Não é um compromisso de se vivenciar tudo o que vem, sem direitos de
defesa do consumidor?
A quem reclamar do corpo que não agrada, de
um coração com defeito, de uma alma descalibrada, de uma personalidade
de bateria fraca, sem luz? A quem cobrar as injustiças, os dias de
solidão, as angústias das perdas? Onde descontar o cheque da liberdade?
Chego à conclusão que somos eternos prisioneiros. O poeta bem que
tenta a liberdade das palavras, dos sonhos, da imaginação. Mas é somente
um outro tipo de cárcere.
Não há liberdade, posto que a vida,
como se nos apresenta, é uma prisão de segurança máxima, onde somos
colocados em celas de carne e osso, num estado de semi-inconsciência,
ora de idílio, ora de pesadelo, onde unicamente somos libertados no
momento final, quando tudo o que sabemos e adquirimos de conhecimento
torna-se pó, diante do imenso portal que se nos é mostrado.
Aí,
bem, aí talvez o próximo passo seja apenas mudar de penitenciária...
(RT, 24 de março/2007) CooJornal no 521.
Lilian Maial médica, escritora, poeta
RJ
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