16/09/2024
Ano 27
Número 1.383


 

 

ARQUIVO
IRENE SERRA





 

Irene Serra



SALA DE RECREIO OU HOSPITAL?

 

 

Estou em Belo Horizonte, no espaçoso hall de um dos melhores hospitais da cidade. Esses lugares sempre me parecem suspensos no tempo: a espera, os rostos geralmente tensos, o silêncio ou o falar bem baixo que preenche o espaço..., exceto neste dia, em que algo diferente chamou minha atenção.

Uma menina, de mãos dadas com o pai, saltitava, cheia de vida. Sorri. Fiquei a observá-la. Acompanhei seu vai e vem, certa que nada no mundo poderia lhe roubar a alegria.

Pararam em frente de uma dessas máquinas que vendem balas, biscoitos, chocolates e outros. De repente, ela explode de felicidade: − Tem M&M, tem M&M, tem M&M! − E quase se enrosca no pai, como se uma gatinha fosse.

A mãe passa o cartão, o chocolate é liberado, e o pai lhe mostra onde pegá-lo. Que sorriso triunfante! Levantou o pacote como se fosse um troféu e começou a saboreá-lo.

Ah, era um espetáculo de encher o coração. Eu não seria eu, se não me aproximasse da mãe. Apresentei-me e creio que ela se assustou à primeira vista com aquela intrusa, mas logo estávamos conversando.

E de quando eu quando eu olhava a Giovanna (logo fiquei sabendo seu nome), com seus balançantes suaves cabelos claros, um lindo vestido de florzinhas lilás e rosa, olhos brilhantes de curiosidade, divertindo-se com seu chocolate.

A mãe, já no guichê de atendimento, disse que ela era muito sociável e chamou-a para falar comigo. Sem hesitar, Giovanna se aproximou, mostrando o pacote de confeitos e inclinando-o sobre a mão para tirar um. − Ah, esse é azul! − E sorria com os olhos. Conversava como se nos conhecêssemos de há muito.

Eu estava encantada! Se pudesse, mais tempo lá ficaria, mas o carro que ia me buscar já havia chegado. Despedi-me, a pensar se com a doçura e a franqueza da infância que nos desarma, Giovanna não estaria a matutar por que uma velha estaria a conversar com ela.

No hospital, onde o tempo parece escorregar devagar, me dei conta de que eu, apesar da minha experiência, quedei-me diante da inocência e doçura de uma menina. Porque as crianças são o melhor jeito de lembrar que o tempo não precisa ser tão sério.

Giovanna voltou a saltitar com seu pacote de M&M’s, enquanto eu seguia um pouco mais leve, percebendo que, em meio ao caos da vida, ainda há espaço para os encontros simples e inesperados que nos fazem refletir e ser mas felizes.

_______________


Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora e diretora da Revista Rio Total
RJ 
irene@revistariototal.com.br

Direitos Reservados