Irene Serra
AREIA E MAR, EXPRESSÃO DE AMOR
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O mar mordiscava a areia quando, estabanado, vindo de roldão, apertou-a
com mais força. Sentindo o quanto a machucara, levou sua espuma a
lamber-lhe suavemente a superfície ferida até que tudo cicatrizasse. A
areia respirava aflita, soltando golfadinhas de ar, tentando tirar o que
havia do mar ainda em si.
Logo cedo, a menina, sentada ante a
arrebentação, ficara a observar por tempo indeterminado aquilo que lhe
parecia uma brincadeira. Não tinha idade suficiente para perceber que o
que via era uma expressão de amor. E, ao tentar se aproximar, tocar as
ondas, o mar se refluía para não ser incomodado. A areia, ao mesmo tempo,
cobria-lhe os pezinhos dificultando seu andar. Que ninguém se aproximasse!
Naquele momento não deveria haver intrusos, eram só eles: areia e mar. Não
importava quem estivesse por perto ou o que pensassem. Queriam apenas
estar juntos, sozinhos.
Sob sol ardente, o casal enamorado aprecia
a natureza, a beleza dos Dois Irmãos. De repente, em um pulo, correm para
a água. A moça, com os cabelos molhados escorrendo pelos ombros
(esqueceu-se de fazer o faceiro gesto de jogar o cabelo para frente e para
trás, tão bem cantado pelo Affonso Romano), fica a observar a areia e o
mar, o mar e a areia. Perde a noção do tempo e sente, em cada vaivem,
paixão semelhante à sua. Vontade de estar junto, envolver em abraços
intermináveis o amado. É apenas impressão? A areia teria lhe piscado,
mostrando que entendera seu pensamento?
Fim de tarde, o velho
solitário resolve caminhar pela orla. Nada de calçadão, quer sentir o
frescor da água, o vento roçar seus poucos cabelos brancos, arrepiando-o
como se ainda jovem fosse. No horizonte, o sol prossegue sua viagem para o
descanso noturno. Mas o mar continuará ali. E o velho, andando cada vez
mais devagar, sente que este será o seu lugar. É o bem do mar: estar de
prontidão a quem precisa de companhia, carinho, amor. Não tem idade, é um
amigo eterno. Sentando-se, mais lentamente ainda do que andara, pende a
cabeça na areia que o mar não para de abraçar.
(RT, 19 de abril/2013)
CooJornal nº 836
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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ irene@revistariototal.com.br
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