18/08/2007
Ano 11 -
Número 542
ARQUIVO IRENE SERRA
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Irene Serra
Vento e tempestade
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Era um fim de tarde atípico. Os pássaros
deixaram de cantar e não demonstravam a costumeira orgia ao
se esconderem nos galhos; os cães, sempre tão barulhentos, também
emudeceram e até deixaram de morder as plantas do
jardim; os gatos dispensaram o colo e se enfiaram
embaixo das camas e nos armários.
Todos pressentiam algo diferente, mas ninguém atinava o quê. Em pouco
a noite caiu, negra, sem luar ou uma estrela qualquer. E ele chegou.
Chegou assustadoramente, rugindo, bradando, levando o que via pelo
caminho. As árvores mais jovens não agüentaram e cederam sob a força do
vento, seus galhos e flores prostrados ao chão; as janelas das casas,
trancadas, tremiam e reclamavam, enquanto o vento insistia em se infiltrar pelas frestas, deixando veios de poeira e terra. A expressão ventos uivantes
passou a ser conhecida, a fazer sentido.
Ansiedade. Medo ao ver o temporal, repentino, desabar com uma força
descomunal, barulho ensurdecedor. As ruas começaram a ficar
alagadas e, em instantes, a chuva entrava pela soleira das portas. Casas
destelhadas, água escorrendo pelas paredes, pingando pelas tomadas e
pontos de luz.
Faltou energia elétrica e o frio aumentava. Lajes de algumas casas não seguraram o volume de
água, que começou a vazar pelo teto.
Ouvem-se gritos da rua, pessoas perguntando pelas famílias que estavam nas
casas e oferecendo ajuda para, em grupo, refugiarem-se na igreja. E,
assim, vai aquele crescente comboio, a pé, todos encharcados, abraçados,
apertados entre si formando uma única massa, em direção ao centro. Rumo à
proteção, ao abrigo,
mas conscientes e alertas a um possível perigo maior.
Encostam-se como podem e esperam. Ninguém se afasta, poucos conversam.
Ouve-se o murmurar de orações e o agradecimento por ali estarem juntos, em
companhia. Alguém arrisca contar um caso divertido, outro oferece um
biscoito, e não se ouve um lamento, um falar de desgraças ou lamúrias. Uma
menina levanta o agasalho mostrando o pintinho, recém-saído da casca, que
esquentava junto a si, ela mesmo tiritando de frio.
Manhã radiosa de sol! Passarinhos pousando nos altos vitrais, a cantar. As
pessoas vão se despedindo, as crianças encontrando brincadeiras nas
enxurradas, o alívio se mostrando no atenuar das rugas de expressão. Novo
dia! Agora, fazer limpeza geral, reparar os estragos e voltar à doce
rotina.
Mas fica uma imagem muito forte: a solidariedade, dedicação e altruísmo de pessoas que
ajudam o próximo por abnegação e prazer; desconhecidos que dão as mãos,
formando um elo firme para uma vida melhor.
(18 de agosto/2007)
CooJornal no 542
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br
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