22/07/2006
Ano 24 Número - 486
ARQUIVO
IRENE SERRA
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Irene Serra
IRMÃO DE SANGUE, UM AMIGO DE FÉ MAIS QUE CAMARADA
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Assim que o ônibus estacionou e desci, lá estava ele, a acenar e sorrir. O
caçula, com os cabelos embranquecidos prematuramente, igual ao pai, e com os
ombros encurvados - como se quisesse esconder a altura que tanto encantou e
ainda encanta a moçada. Solícito, açambarca a bagagem (alguém já viu mulher
viajar, sob qualquer pretexto, com poucas malas?) e caminhamos em direção ao
seu carro. Arf, arf, tomo fôlego. Eta rapaz que anda rápido!
Ele sabe
quando sorrimos murcho, pressente nosso transtorno a um simples olhar. É assim
com toda a família, sem distinção, e haja ombros para aguentar tanta
preocupação, dar conselhos, ajudar em qualquer instância. Não conheço ninguém
mais que tire de si, mesmo lhe fazendo falta, para dar a outro. Espantoso é
saber que ele não troca o carro antigão e capenga, e deixa de fazer até mesmo
sua necessária cirurgia de olhos, a fim de proporcionar conforto e bem estar à
extensa família agregada. Sim, aos agregados, pois, na verdade, seu núcleo
principal é apenas a mulher e uma filha.
O que ganha com isso? Nada,
absolutamente nada. Às vezes, ingratidão. A aposentadoria já se foi de há
muito. Voltou a trabalhar em horário integral. Fico imaginando quantas outras
privações suporta, para ser o esteio de tantos.
E, em meio a tudo, é um
moleque brincalhão, piadista nato que não perde uma oportunidade de fazer
trocadilhos, disparando a gargalhada geral. É a companhia que todos querem ter
ao lado, pelo carisma e alegria que traz em si.
Vamos jogando conversa
pelo caminho, montando uma agenda que, sabemos, seria estressante, mas
necessária. Eu não vinha me sentindo bem (puro eufemismo!) e o mais sensato
era procurar os médicos que habitualmente me atendem. Acompanhou-me o tempo
todo e não esqueço que, ao recompor-me de uma anestesia, vejo-o aproximar-se,
sorrindo tranquilo. Um fiel cão de guarda!?
Foi ao sítio e trouxe as
mudas de plantas que eu queria, filhotas das que mamãe plantava. Vendo minha
determinação em voltar para casa, apesar de suas ponderações de esperar mais
um pouco, passou a tarde a embalá-las, com tal esmero, que aqui chegaram
perfeitas, como se tivessem sido arrumadas naquela hora. E, apressado,
controlando o tempo, correu à farmácia arrumando o arsenal de medicamentos que
preciso.
Assim que o ônibus partiu, ainda lá estava ele, o caçula, com
os cabelos embranquecidos e ombros curvados. Vi-o dando meia volta, mas ele já
não podia me ver acenando, do interior do veículo, como não viu meu sorriso e
minhas lágrimas de gratidão, nem meu compromisso de querer ser uma irmã
melhor. Mas deve ter sentido minha prece para que seja muito feliz e
recompensado por tudo, pois, naquele momento, as estrelas cintilaram
sussurrando amém.
E lá vai ele, sem fazer arf, arf. Eta rapaz que anda
rápido!
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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total, copidesque
RJ
irene@revistariototal.com.br
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