Observadora silenciosa, apreciava um jornalista editando uma entrevista
que fizera com um criador de gado. Ele exultava, parecia que o rebanho era
seu. Às vezes sorria, anotando momentos aos quais queria dar um destaque
especial. O tema era a raça Brahman, que teve sua primeira importação
autorizada em 1994 e, neste período, teve um crescimento sem paralelo na
história da pecuária brasileira.
Mas, apesar do interesse no trabalho que ele desenvolvia, meus olhos não
se desviavam de uma das fotos ilustrativas. Ela mexia comigo, me fazia
devanear. Acostumada a passar temporada de férias na fazenda de meus tios,
em Minas - muitas vezes encarapitada na cerca do curral, vendo a ordenha e
esperando uma caneca de leite quente tirado na hora - eu nunca vira cena como a que, agora, me deparava.
Enternecimento era o que via em ambos: fazendeiro e animal. A vaquinha
sorria para ele e aceitava seu carinho, com olhos tão sonhadores, de tal
forma embevecida, que parecia gente. Apaixonada. E se ela saísse da foto e
viesse me dar uma boas lambidas, dizer-me que estava percebendo que estava
sendo admirada? Quis passar a mão em seu pêlo claro, que parecia um veludo! Qual
seria seu nome? Raio de Sol? Sim, porque ela iluminava o campo com sua
pose de star e, certamente, ofuscava o que em volta havia. Mas
estava indiferente a isso. Só tinha olhos para seu dono e senhor.
Época de frio, aconchego, amor solto no ar, sensibilidade escapando e a
felicidade dos dois estampada ali, bem pertinho.
Foi então que bem compreendi o pecuarista Wilson Martins, “Só
quem gosta de criação de animais entende essa paixão.”
À noitinha, chega a crônica do Artur
da Távola, falando sobre o olhar de ternura do Bonner para a Fátima, via
tv. Escrevi-lhe, de imediato, sobre a coincidência dos olhares e o bom amigo escritor incentivou-me, o que
tomo a liberdade de transcrever: “Continue com o tema de sua crônica
que é ótimo. Nunca interrompa a sua inspiração por razões externas a ela.
Estas, são momentâneas. A crônica, permanente.”
E não consigo deixar de olhar para a vaquinha...
(01 de julho/2006)
CooJornal no 483
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br