Irene Serra
TEMERIDADE
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Fim da tarde em Copacabana, vento forte e chuvinha fina molhando até os
ossos. Cada um que passava tinha o andar apressado e a cabeça meio fletida
atrás do guarda-chuva, sem se preocupar com o que acontecia ao seu lado.
Vendedores de guarda-chuva correndo de um lado ao outro da rua,
indiferentes aos motoristas de ônibus que soltavam impropérios, buzinando
alucinados para que os da frente abrissem passagem. Carros fazendo
manobras miraculosas e estacionando em qualquer lugar. Um caos geral!
De repente, surge do nada um grupo de jovens, praticamente a agarrarem as
mulheres que por ali passavam: - A senhora tem cartão C&A? Estamos em
promoção para o Dia das Mães e esta é uma excelente oportunidade. Posso...
Não adiantava desviar. Elas tomaram conta da calçada e, pelo grude com que
fizeram o cerco, não iam ceder facilmente. O melhor era parar e lhes dar
atenção: - Tenho sim, minha filha, mas no momento não estou interessada em
comprar nada. Além do mais, há muito não o uso. Obrigada.
- Ah, não! Uma oportunidade dessas ninguém pode perder! Posso ver seu
cartão?
- ????!! O quê, minha filha? Abrir a bolsa em plena rua, com este
movimento, esta chuva, para lhe mostrar meu cartão? De jeito nenhum! Que
idéia! Além do mais, não saio portando cartões quando deles não vou fazer
uso.
O ar de surpresa da moça mostrava que não carregar todos os cartões
existentes não era precaução, era sim um grande erro, uma falha de caráter
imperdoável. - Mas seu CPF a senhora tem.
CPF? Só podia ser brincadeira! Qual a necessidade, a troco de quê tem-se
os documentos pessoais solicitados dessa forma?
E a jovem continuava: - Olha, se não tiver a carteira do CPF à mão, a
senhora me dá o número, que também serve. Ó fulaninha, vem aqui com a
máquina digitar o CPF desta senhora para ver se está tudo ok com ela. A
senhora, por favor, espera só um instante que minha colega está vindo, é
que ela está digitando o número de outra pessoa.
Em uma olhada de relance, percebia-se uma senhora idosa, de
bolsa aberta, a vasculhar o que lhe era pedido e, logo em frente, uma
outra na mesma situação. Isso no meio das cotoveladas daquele vespeiro de
transeuntes.
Dúvida instalada: seria um golpe ou eram as moças contratadas pela C&A? Há
de se saber que elas estavam uniformizadas e ficavam exatamente em frente
à loja. Nesta última hipótese, como não se prevê que um verdadeiro
desastre pode ocorrer ali? Quantos gatunos estariam (e estarão) à espreita,
esperando o momento propício para levar a carteira daquelas senhoras? Sim,
porque os seguranças ficam da porta da loja para dentro. Aqui fora, é a
guerra. Neste momento, quantas pessoas podem ter sido lesadas? E quem
garante que quem operava as máquinas não gravaria os números para outros
usos? Como não pensaram em uma forma mais segura para fazer promoção?
Quem por ali passou e saiu ileso, que comemore: “Feliz Dia da Mães!”
(07 de maio/2005)
CooJornal no 419
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br