Irene Serra
Metrópole
|
|
Nem de longe pense na cidade do Super-Homem! Vai errar feio!
Metrópole é um modesto mercadinho onde são vendidos laticínios e produtos
secos em geral. Nada de frutas, verduras, carne, ovos ou congelados.
Talvez haja outros em cadeia, mas deles não ouvi falar.
A ganância de seus gestores é fenomenal. Na porta há inúmeros cartazes,
todos sobre o mesmo tema, alguns acumulativos: “Não aceitamos cheques”,
“Não aceitamos tíquetes ou vale refeição”, “Não aceitamos cartão de
crédito ou débito” “Não aceitamos cheques, tíquetes, vale refeição, cartão
de crédito ou débito”, “Pagamento só com dinheiro”. Etc etc
tal. Sendo sua tônica o não, esqueceram de acrescentar “Não devolvemos
troco completo”, “Desconhecemos moedas de 1 centavo”, “Troco de 1 a 4
centavos pertencem à loja. Não reclamem!” Etc etc tal.
Por diversas vezes conversei com o gerente que é inconcebível não darem
troco certo, já que não aceitam outra forma de pagamento que não seja
dinheiro vivo. - E bota vivo nisso! O que sai da sua mão, foge, sai
correndo e você não vê nem traço do que teria direito de receber de volta!
– O gerente sempre responde, sorridente e amável, que foi casual, apenas
daquela vez estavam sem troco. Só que esta casualidade é sistemática,
nunca o troco aparece.
Comecei a observar que ninguém reclama, todos já se conformaram em não
receber aquela “miséria”. Só que de 2 em 2 ou de 3 em 3 centavos por
pessoa, no final do mês o bolo é razoável. Para quem vai este dinheiro
que, a princípio, não pertence ao mercado? Garanto que nenhum asilo,
orfanato ou qualquer instituição para carentes recebe este trocadinho.
Sendo a única opção de mercado que tenho no meu quarteirão, senão já teria
procurado outro, faço marcação cerrada e exijo meu troco integral. O
caixa, displicente, junta as notas com algumas moedas e me entrega.
Confiro, digo que está faltando. Ele reconfere e afirma “Não, está
certo!”. Mesmo ouvindo impropérios, não me incomodo com a fila que cresce
atrás de mim e re-reconfiro em voz alta. “Faltam 3 centavos! Por favor, eu
sou aquela que exijo o troco!” Ele procura daqui, procura dali – nesta
altura vários já reclamam (comigo!) – e arranja os 3 centavos que
miraculosamente apareceram. Quando realmente não consegue, me joga uma
moeda de 5 centavos, como se estivesse fazendo favor e já vai logo
acelerando minha saída, gritando “o próximo, o próximo!”.
E o próximo passa, indiferente ao que falta do seu troco. Mas quero ver se
ele consegue pegar o metrô pagando R$2,22 ao invés dos R$2,25. O máximo
que consegue é ficar na plataforma espiando o vai-e-vem, com os
transeuntes a lhe esbarrarem por estar atravancando a passagem. Um programão!
Enquanto isso, nossa modesta "família" Metrópole vai forrando seu cesto para
passeios melhores. Em poucos anos deverá ter acumulado o suficiente para uma
ida ao exterior e aproveitar bastante do... dinheiro nosso de cada dia que
não lhe pertencia. Aí, sim, às custas dos outros, um programão!
(22 de abril/2005)
CooJornal no 417
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br