No primeiro sábado de cada mês, sempre pela manhã, Arthur ia ao barbeiro. No
caminho, comprava o jornal e um pacote de balas de café - que seriam levados
intocados para casa, causando alvoroço na turminha que os esperava.
Gostava daquele hábito de cortar seu cabelo com o bom Paradelas, com quem já
estava habituado há mais de 20 anos. Um, culto e educado, gestos finos,
português escorreito. O outro, com sotaque carregado, simplório, só português.
Mas como se davam bem! Tão bem que, quando Paradelas se aposentou, Artur o
convidou para ir à sua casa, regularmente, cortar o cabelo dos homens, pois os
filhos, já rapazolas, faziam questão de estar tão bem cuidados quanto o pai.
E Paradelas chegava sempre com um caso a ser contado, cativando a
clientela que, àquela altura, já era formada por alguns vizinhos e amigos.
Minucioso, lavava as mãos com um bom sabonete perfumado, antes de forrar a
mesa da varanda com uma toalha que trazia em sua valise para, só então,
arrumar os apetrechos de cabelo e barba na ordem em que os usaria. Espalhava
talco na nuca do cliente da vez, colocava-lhe um avental e começava seu
ofício. Silencioso, esperava que lhe fosse dado um sorriso de aquiescência
para que também começasse a falar. E vinham as estórias... “um certo dia...”
“Dia de chuva forte que caíra inesperadamente, calçadas alagadas, entra um
distinto senhor no estabelecimento querendo um corte bem rente, podia demorar
o tempo que fosse. O salão estava cheio, pessoas esperavam em pé, mas cada um
que chegava não se incomodava com essa espera. E o Paradelas, sabendo que, na
verdade, estavam se refugiando da chuva, aproveitava para engordar sua féria
com aqueles atendimentos extras. De vez em quando ele observava aquele senhor,
frequentador habitual, mas que inexplicavelmente olhava com vinte olhos tudo
que se passava em volta.
Até que chega a vez do tal homem, que se senta
e fica com os olhos fixos no espelho. Naturalmente a conversa se desenrola e o
cabeleireiro, curioso, quer saber se tudo está bem, se algo errado havia
acontecido, além daquele tempo horroroso que atrapalhava a todos.
E o
senhor se lamenta de ter esquecido seu guarda-chuva da última vez em que lá
estivera. Se tivesse tido tempo teria voltado para pegá-lo, mas os afazeres
foram se acumulando e ele acabara por esquecer. Agora que estava ali,
aproveitaria para levá-lo. Seria em boa hora, com aquela chuva que não
cessava.
− Pois não. Como é mesmo seu guarda-chuva? Se esqueceu aqui
nós o guardamos, certamente.
Com leve ar ingênuo, o elegante freguês
complementa:
− É um guarda-chuva comum, bem velhinho, até mesmo com defeito.
Estive olhando as pessoas que pegavam seus abrigos ao sair. Ninguém se
incomodou com um que continua ali no cantinho, tal qual como quando eu
cheguei. Ele não tem mesmo dono, então deve ser o meu.
− Onde? Me mostra. Não estou vendo!
− Ali, ó! À esquerda, no cabide quase escondido pelo espelho.
− E vira a cabeça do barbeiro para que este visse a direção que
indicava.
− O quê? Aquele arrebentadinho ali? Aquele é o meu!
E o
Arthur, entrando naquele momento na varanda, pisca marotamente:
− Ora, Paradelas, em chuva que molha os ossos qualquer
guarda-chuva serve!
(RRT, 01 de outubro/2005, CooJornal nº 444)