Irene Serra
Momentos difíceis
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A mulher dá por si quando olha ao seu lado e vê que todos já dormem. Sente
uma tristeza infinita. Tanta que não a deixa coordenar os pensamentos em
seqüência lógica a fim de definir posições, tomar atitudes e, passo a
passo, resolvê-las. Com a mente conturbada, sabe que não chegará a lugar
algum se continuar no círculo vicioso em que se encontra. Precisa
descansar e parar. Parar e descansar. Por onde começar? Só isso lhe vem à
mente, mas novamente a roda a envolve, jogando-a no centro de um caldeirão
prestes a explodir. Decisões, soluções. Não consegue mais carregar o que
recai sobre seus ombros encurvados e doentes. O tempo urge e as idéias
insistem em não aparecer. Em quê e onde errou? Conclui que falhou em quase
tudo a que se propôs, senão não estaria naquela condição. Mas em quê? Onde?
Este martelar não a abandona. Só sabe que algo precisa ser feito no agora.
O amanhã deixará de existir, mesmo que seu corpo ainda esteja presente.
Fecha os olhos levemente, sonhando com tsé-tsé que poderia vir lhe trazer
calma, um prolongado sono tranqüilo, paz. Para quê? Para acordar sabendo que perdeu
momentos que lhe são imprescindíveis? Estática, percebe que por estar a
sonhar, muito deixou de pensar no que realmente era necessário. Sente-se uma ladra! É o retrato do
fracasso! Quem sabe a morte vem abençoá-la, para que não sinta tanta
vergonha, tanto desespero? Mas também tem imenso medo da morte, da
escuridão... O que quer, afinal?
A luz forte invade seu quarto. Mais um dia de trabalho e realizações para
uns, expectativas e alegrias mais além. Sente-se feliz pelos que estão a
crescer, pelo sucesso dos amigos. Nisso não muda: sempre o bem-estar de
todos em primeiro lugar. Inúmeras vezes, caem no vazio as reivindicações do marido pelas
noites de sono mal dormido e pela responsabilidade que assume em prol dos
outros
Em meio ao desânimo que ora a abate, não se reconhece. Então, surpresa, ouve aquela música conhecida desde a
infância, pressente nitidamente a voz de seu pai, num sussurro, a
encorajá-la, empurrando-a para a vida e a não temer o futuro.
Perde o ar cabisbaixo, as forças se restabelecem e, confiante, sabe que
vai continuar a luta por seus ideais. A solução vai chegar! Esta certeza a
domina por completo. Se subiu a montanha, antes de cair chegou a ver de
mais perto o brilho do sol, sentiu com mais ternura a carícia na brincadeira dos
ventos, viu o sorriso da água brotando entre as pedras a exclamar: - Bom dia!
Bom dia! É isso! Quem já teve tanto quanto ela? Sente-se plena: - Bom dia!
(05 de março/2005)
CooJornal no 410
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br